Um olhar transversivo para as constelações de Hellinger a partir da perspectiva semiótica de Peirce

Por: Eliana Navas Amado

Um olhar transversivo para as constelações de Hellinger a partir da perspectiva semiótica de Peirce Eliane Navas Amado | lianavaspub@gmail.com Aluna especial da disciplina CCA5207 – Fundamentos Semióticos da Comunicação do Programa de Pós- graduação em Ciências da Comunicação da Universidade de São Paulo – USP. Pós-graduanda em Constelação Familiar Original Hellinger® pela Hellinger®Schule (Alemanha) e Faculdade Innovare (Brasil). resumo O estudo propõe apresentar reflexões sobre as Novas Constelações Hellinger através da perspectiva da semiótica de Charles S. Peirce. Apresentam-se como problemas nas novas constelações: 1) Carência de explicação científica, na lógica semiótica, para elucidar como a comunicação ocorre. 2) Ausência de esclarecimento do processo de solução, por meio de imagens internas. 3) Falta de vocabulário científico, a fim de fenecer ao que se refere ao religioso. Para esta compreensão serão analisados os signos e as “imagens de solução” como recorte do objeto empírico, com o intuito de explicar como a categoria de primeiridade e a conexão entre hábitos e crenças pode ser explicitada por meio do raciocínio diagramático. Alicerçado no pragmaticismo e fenomenologia como método, o objetivo é clarear conceitos, por meio de hipóteses, e verificar as relações entre as proposições apresentadas. Considera-se a inserção de um signo (K-signo) como contribuição possível para expor as questões apresentadas. Palavras-chave: Novas Constelações Familiares. Bert Hellinger, Semiótica. Charles. S. Peirce. abstract The study purpose is to present reflections on the New Hellinger Constellations through the perspective of Charles S. Peirce's semiotics. It present problems in the new constellations: 1) Lack of a scientific explanation, in semiotic logic, to elucidate how communication occurs. 2) Absence of clarification of the solution process, through internal images. 3) The lack of scientific vocabulary, in order to replace the religious one. For this understanding, the signs and “solution images” will be analyzed as an outline of the empirical goal, in order to explain how the category of firstness and the connection between habits and beliefs can be explained through diagrammatic reasoning. Based on pragmaticism and phenomenology as a method, the objective is to clarify concepts, through hypotheses, and to verify the relationship between the presented propositions. The insertion of a sign (K-sign) is considered as a possible contribution to expose the questions presented. Keywords: New Family Constellations. Bert Hellinger. Semiotics. Charles. S. Peirce. Criada pelo psicoterapeuta, filósofo e teólogo alemão Bert Hellinger (1925-2019), a “constelação familiar” designada de “ajuda para a vida” (HELLINGER 2020: contracapa) é definida sucintamente como uma abordagem de cunho filosófico, prático e vivencial sobre os relacionamentos humanos, com o intuito de ampliar a visão acerca das dimensões da vida 1. A constelação familiar nasceu, no final do século XX, inicialmente como um novo campo da psicoterapia. Mais tarde, com o desenvolvimento das técnicas, tomou novas proporções e passou a ser aplicada também na pedagogia, comunicação social, medicina, jurídico e empresarial ou organizacional. Do mesmo modo, mudaram também as nomenclaturas: antes, constelação familiar clássica e, hoje, nova constelação familiar. A partir de 1982, dei em seminários o que hoje chamo de “constelação familiar clássica” e que mais tarde aperfeiçoei com Sophie, até chegar a uma nova constelação familiar. No início, eu achava que a constelação familiar fosse exclusivamente um enriquecimento para o trabalho de psiquiatras e psicoterapeutas; porém, mais tarde, afastei-me dessa opinião. Reconheci que ela também é importante para leigos. Por isso, quando se trata de constelação familiar e de nova constelação familiar, falo não de um método terapêutico, e sim de uma ajuda para a vida (HELLINGER, 2020: 131). A título de contextualização, a constelação, de modo geral, consiste na reunião de um grupo de pessoas que se dispõem a uma dinâmica, com a proposta de buscar soluções. Deste grupo participam, as escolhidas para serem os representantes (pessoas que irão representar outras pessoas ou uma questão do cliente), e uma pessoa denominada constelador (capacitada a conduzir a constelação). Demais pessoas, caso houver, apenas observam o desenvolvimento da dinâmica até a sua conclusão. Na “constelação familiar clássica”, que tem foco principal a “família atual ou de origem” (HELLINGER, 2019: 19) do cliente, o constelador escolhe pessoas do grupo para configurarem como sendo os representantes da família do cliente. O trabalho consiste em colocar cada um desses representantes em uma determinada posição (à frente, atrás ou ao lado uns dos outros), e ir perguntando como cada um se sente em relação ao outro. Com base nas respostas, o constelador vai reposicionando as pessoas até que todos se sintam bem em seus lugares e a constelação responda à questão apresentada ou esperada pelo cliente. Na nova constelação familiar, muitas vezes, coloca-se apenas o representante do cliente e o problema, deixando-os livres, e não dirigindo a dinâmica à uma questão 1 Definição sugerida pela autora. Como Hellinger não foi um acadêmico, não consta em sua obra uma definição precisa do que vem a ser a constelação familiar. específica apresentada pelo cliente. O constelador coloca-se na postura de um atento observador, em segundo plano, conectado ao campo sábio que Hellinger denomina de “a grande alma”. Sua interferência é muito menor, a constelação se passa praticamente em silêncio, com apenas algumas frases de solução, aforismos ou apenas palavras. Contudo, o constelador precisa estar atento e agir imediatamente, se necessário, caso perceba que algum representante esteja desconectado, substituindo-o por outro representante. O que há de novo na nova constelação familiar? Ao contrário da clássica, na nova raras vezes se pergunta aos representantes o que estão sentindo. Em vez da família inteira, geralmente apenas um representante é constelado para o cliente. No entanto, é importante que esse representante – que nada sabe sobre o cliente – se entregue sozinho ao movimento interior, na maneira como o recebe interior e exteriormente. Já não se fazem perguntas a respeito dos sentimentos, das expectativas e dos medos. A constelação não é orientada para um objetivo previamente dado pelo cliente, ao qual o condutor da constelação busca atender. Tudo é consagrado aos movimentos sentidos pelo constelador, para além das concepções do problema e da solução, bem como da psicoterapia no sentido usual até o momento. (HELLINGER, 2020: 240) Pode-se dizer que as constelações trazem à luz informações contidas na memória familiar transgeracional e na “memória eterna” ou “consciência espiritual” individual, no campo e na alma da família. Nesse contexto, Peirce considera a reflexão de que: Um homem é capacitado de uma consciência espiritual, que o constitui uma das verdades eternas, que está incorporada no universo como um todo. Isso como uma ideia arquetípica nunca pode falhar; e no mundo para o que vem é destinado a uma encarnação espiritual especial. (CP 7.576) Acrescenta-se que, tanto na constelação familiar clássica como na nova constelação familiar, os representantes, desde que se entreguem unicamente a seu movimento interno, e livres de suas próprias ideias, estão sujeitos ao que Hellinger denomina de o “fenômeno”, que é o efeito sentido, interno e externamente. Estes representantes sentem-se exatamente como as pessoas representadas, mesmo sem as conhecê-las, que se explicitam por meio de movimentos e ações, seus sintomas, sentimentos e pensamentos. É singular e fascinante observar, quando um cliente coloca em cena pessoas estranhas para representar seus familiares em suas relações recíprocas, como essas pessoas, sem prévias informações, vivenciam sentimentos e usam palavras semelhantes às deles e, eventualmente, até mesmo reproduzem os seus sintomas. Quando os representantes são instados a expressar em movimentos o que sentem, eles frequentemente exprimem uma dinâmica da alma que revela destinos ocultos, que o próprio cliente desconhecia. (SCHNEIDER, 2007: 10) Assevera-se que na constelação familiar não existe tempo, apenas lugar, assim, quando se visita o lugar, o mesmo já foi alterado. Como no adágio de Heráclito, “não se pode entrar duas vezes no mesmo rio; pois, aos que entram em [o que se supõe serem os] mesmos rios, outras e outras águas afluem” (KAHN, 1979: 169). Ou seja, refere-se ao tempo, contudo, ao tempo espacial. Desta forma, ao se revisitar determinada constelação, devemos considerar a suposição de que tanto as pessoas, quanto o fenômeno seriam imutáveis, o que seria um paradoxo, pois ambos estão em constante mudança. A propósito, com relação ao “lugar”, elucida-se a raiz do termo correto em alemão, Familienaufstellung, que se refere à tradução literal “configuração ou colocação familiar”, que foi erroneamente traduzido internacionalmente para constelação familiar. Compreende-se como problema a falta de um raciocínio semiótico de essência metafísica, ou seja, observado a partir das crenças de concepções de como o mundo se organiza, e de como a realidade é estruturada como um sistema - que explique, por meio de um pensamento construído filosoficamente, a semiose nas constelações. Ajusta-se e equilibra-se os termos que serão apresentados no decorrer deste texto, com a finalidade de descortinar o olhar direcionado como religioso, o que por vezes, pode acarretar certo preconceito, e, paralelamente, amedrontar os que desconhecem as reais definições deste contexto. Não obstante, tem-se a proposta de elucidar por meio de hipóteses e diagrama uma outra maneira de visualizar a semiose nas constelações. Deixa-se patente o respeito e a apreciação às profundas descobertas de Hellinger, sem a pretensão de estar em posse da verdade, mas na esperança de contribuir com um pensamento acadêmico-científico. Sabe-se que para elidir justamente discussões ou interpretações errôneas do pensamento acadêmico, Hellinger criou o termo Hellinger® sciencia justificando ser uma “outra” ciência, para designar a ciência das relações entre tudo o que existe, “uma ciência do amor do Espírito”. (HELLINGER, 2015: 239) Sendo assim, para mitigar e desconstruir os interstícios ocasionados por algum desconforto que tenha levado Hellinger a criar e adotar como justificativa o termo Hellinger® sciencia, uma vez que ele não era um acadêmico, julga-se que haja uma certa urgência por estudos críticos sobre o problema apresentado, ressaltando a importância de uma retórica universal para a produção de conhecimento. Com o pensamento de um agente, que busca compreender a interação com seu meio, adota-se como ótica para reflexões, a postura falibilista – descrença de que exista uma verdade absoluta. Ademais, agrega-se o pragmaticismo como método (em grego método = caminho) na direção de uma verdade, jamais completamente conquistada, para clarear ou esclarecer conceitos e ideias, e auxiliar a desvendar a dúvida daquilo que nasce da experiência do continuo da percepção, que é a nossa dificuldade de compreensão do real. Esse caminho nunca deve ser individual (solipsista) ou subjetivo, mas de compartilhamento, o que depende de estarmos conectados e ancorados no conceito de generalidade, e em comunicação com um grupo de pessoas igualmente interessadas em perseguir o mesmo propósito. Argumenta-se que é premente investigar, por meio de um recorte semiótico, o que se entende como um bom desfecho ou solução nas novas constelações, uma vez que se observa como resultado, a alteração de uma “imagem interna” que afeta o cliente e os envolvidos, e a manutenção, sobrevivência, harmonia e equilíbrio de um sistema. A solvência observada na realidade nas novas constelações advém da conexão com o imanente e o transcendente, com tudo e com todos, com os vivos e com os mortos, com o presente, o passado e o futuro, com o que é permanente e o que é impermanente. Para isso, a realidade não depende da realização concreta da possibilidade, ou seja, a realidade não é somente o mundo atual, mas também os mundos possíveis. Peirce entende por realidade: Quero dizer que o que realmente existe, em última análise, consiste naquilo que deve nos obrigar na experiência, que há um elemento de compulsão bruta nos fatos, e isto não é uma mera questão de razoabilidade. Assim, se eu disser: ‘Vou dar cordas ao meu relógio todos os dias enquanto eu viver”, eu nunca poderei ter uma experiência positiva que certamente abranja tudo o que é prometido aqui, porque nunca saberei com certeza quando será o meu último dia. Mas, o fato real que será não depende de minha representação, mas das reações vivenciais que sobrevirão. (EP 13, II, 1. p.182) Sem embargo, Hellinger e Peirce, recebem críticas advindas da ciência tradicional. A constelação Hellinger, embora tenha suas origens alicerçadas na análise transacional, psicodrama, hipnose e psicanálise, encontra-se sob a urdidura de sinônimos e adjetivos como: farsa, perigoso, espiritismo, enganação, pseudociência e misticismo, justamente por uma extrema carência de fundamentação científica, sem contar que sempre foi difundida sem prévia preocupação de se criar uma metodologia. Os livros de Hellinger nasceram de experiências e, no decorrer dos tempos, os conteúdos foram transmitidos sem critérios estruturados, de pessoas para pessoas e sujeitos a interpretações particulares. Sem o respaldo de uma escola oficial e misturando os fundamentos a outros temas e termos, para muitos, as constelações culminaram em repercussões negativas. Por conta desse distúrbio inicial, na atualidade criou-se o vocábulo: Constelação Familiar Original Hellinger® como forma de regulamentar e demarcar ao que se refere estritamente às bases Hellinger. Além disso, foi criada a Hellinger®schule, instituição de educação continuada para adultos, reconhecida pelo governo estatal da Baviera, na Alemanha, fundada no ano 2000 por Sophie Hellinger, esposa de Bert Hellinger e atual diretora. Peirce também coleta dissabores dos nominalistas - que acreditam que o universo é uma criação da nossa mente - frente ao antagonismo existente até os dias atuais, ao se posicionar como um realista. Embora ambas concepções (nominalistas e realistas) sejam metafísicas, e com descrições absolutamente coerentes do mundo, elas não podem ser comprovadas pela experiência - de maneira que valide o grau de verdade aceitável, portanto a adoção de uma ou de outra, vai do sistema de crenças de cada indivíduo. Para Peirce, o realismo permite, ao menos, a crença de que existe naturalidade entre aquilo que pensamos conscientemente - as ações lógicas, fundamentadas no pensamento controlado, e aquilo que acontece além da consciência e pensamento - o mundo da realidade e da experiência natural. Se não houver uma conaturalidade, em que os procedimentos lógicos da mente não são análogos aos procedimentos lógicos da natureza, jamais será possível entender a natureza além do pensamento consciente. Como método de pesquisa, ambos os autores, Peirce e Hellinger, fazem uso da fenomenologia, como sendo o passo inicial para desvendar as classes naturais por meio da percepção. Peirce, além de conceituar, faz uso de um neologismo lexical phaneron para explicitar a diferenciação do conceito de “ideia”, a fim de que suas definições se tornem mais claras e precisas. Palavra, “fenômeno” deve ser entendido no sentido mais amplo concebível; para que a fenomenologia possa ser definida como o estudo do que parece, e não como a afirmação do que aparece. Descreve os elementos essencialmente diferentes que parecem se apresentar no que parece. Sua tarefa requer e exerce um tipo singular de pensamento, um tipo de pensamento que será considerado o mais útil em todo o estudo da lógica. Dificilmente se pode dizer que envolva raciocínio; pois o raciocínio chega a uma conclusão e afirma que é verdade, por mais que as coisas pareçam; enquanto na Fenomenologia não há afirmação, exceto que existem certas aparências; e mesmo estes não são, e não podem ser afirmados, porque não podem ser descritos. A fenomenologia pode apenas dizer ao leitor para que lado olhar e ver o que ele verá. (CP 2.197) Os filósofos ingleses costumam usar a palavra ideia em um sentido que se aproxima daquilo que dou a phaneron. Mas, sob vários aspectos, restringiram demais o significado disso para abranger minha concepção (se é que se pode chamar de concepção), além de dar uma conotação psicológica à palavra deles, que tenho o cuidado de excluir. O fato de eles terem o hábito de dizer que "não existe tal ideia" como essa ou aquela, no mesmo fôlego em que descrevem definitivamente o phaneron em questão, torna seu termo fatalmente impróprio para o meu propósito. (CP 1.285) Para Peirce a phaneroscopia (fenomenologia) investiga os modos de relação, encontrados na experiência. Já para Hellinger, a fenomenologia é um caminho de conhecimento. Para se trilhar esse caminho, é necessário se distanciar de três formas distintas. A primeira com relação à consciência, de maneira que se esqueça “tudo o que já foi dito antes sobre o problema”, (HELLINGER, 2009: 142), isto é, esvaziar-se, criar um espaço entre (problema/cliente) e o constelador. A segunda, com relação a não intenção, isto é, quando o constelador se coloca frente ao problema/cliente, sem o desejo de ajudar ou resolver. A terceira é quando o constelador “permanece sem medo” (Idem, 2009: 142) em relação ao que se revela ou ao que se é dito. O entrecruzar dos assuntos apresentados acima, com o propósito de compreender como se dá a comunicação e a realidade que se apresenta nas novas constelações, inicia- se por meio das eminentes contribuições semióticas de Peirce, com uma análise sobre o signo, que é: “qualquer coisa que determine alguma outra coisa (seu interpretante) a se referir a um objeto a que ele mesmo se refere (seu objeto) da mesma forma, o interpretante tornando-se por sua vez um signo, e assim por diante ad infinitum. ” (CP 2.303). Os signos se apresentam à percepção e à mente, por meio de três etapas formais e universais que ocorrem em todos os fenômenos, que foram denominadas primeiridade, secundidade e terceiridade. A primeiridade é o modo de ser daquilo que é tal como é, positivamente e sem referência a qualquer outra coisa. A secundidade é o modo de ser daquilo que é como é, em relação a um segundo, mas independentemente de qualquer terceiro. A terceiridade é o modo de ser daquilo que é como é, ao relacionar um segundo e um terceiro. (CP 8.328) Os signos possuem três modos de representação: ...ícones, que servem para representar seus objetos somente na medida em que se assemelhem a eles mesmos; índices, que representam seus objetos independentemente de qualquer semelhança com eles, apenas em virtude de conexões reais com eles; e os símbolos, que representam seus objetos, independentemente de qualquer semelhança ou conexão real, devido a disposições ou hábitos factícios de sua identidade. (EP 2: 460-461) Acrescenta-se que: O signo não cria a significação, mas é a significação que se corporifica em signos particulares, que cumprem a função de meios de transmissão da informação, aumentando a razoabilidade, não nesta ou naquela mente particular, ou em qualquer número finito de mentes particulares, mas na mentalidade que permeia e une todos os que participam do processo de comunicação. (ROMANINI, 2016: 28) Com as portas de percepção abertas ao novo, na busca de acalentar a dúvida como essência do conhecimento, parte-se do processo perceptivo ou pré-reflexivo, denominado primeiridade, “a ideia do presente instante, que, existindo ou não, é naturalmente pensada como um ponto no tempo em que nenhum pensamento pode ocorrer ou nenhum detalhe pode ser separado” (CP 8.329), para um escrutínio reflexivo semiótico, como uma possível resposta ao questionamento de como se processam as imagens internas como solução nas constelações. Sophie Hellinger, no livro A Própria Felicidade, refere-se a "imagens internas" ou "imagens de solução", ao considerar que as constelações familiares “agem por meio de uma imagem. Assim que o representante conta o que experimentou, ele influencia a imagem” (2019: 164). Acrescenta-se: Quando falo sobre as imagens de solução, pressupõem-se que também existam imagens que nos emaranham e que nos prendem de tal forma que bloqueiam algo dentro de nós, algo que quer se desenvolver. Essas imagens também são imagens internas. (...) Quero dizer mais alguma coisa sobre como lidar com essas imagens. Elas existem dentro de um espaço, são atemporais, não podemos modificá-las. Se refletíssemos sobre o que aconteceria se mudássemos uma ou outra imagem, estaríamos interferindo nela. Também não podemos atuar imediatamente de acordo com a imagem. Ela deve repousar na alma, talvez por muito tempo. A imagem atua na medida em que está presente, presente não apenas na nossa própria alma, mas também na alma de outros membros familiares, sem que contemos algo a eles. (HELLINGER, 2009: 126) Inicia-se a compreensão por um raciocínio a partir dos ícones, na divisão entre ícones puros e hipoícones, que se subdividem em imagem, diagrama e metáfora. Como níveis de iconicidade, o ícone puro é o primeiro, “uma simples qualidade de sentimento indivisível e inanalisável”, “quase-imagem interior, luz primeira de todos os insights”. O ícone atual refere-se ao segundo nível que diz respeito às “diferentes funções que o ícone adquire nos processos de percepção”, subdivididas em passivo e ativo (SANTAELLA, 2015: 62). No aspecto passivo “considera-se o percepto como tudo aquilo que se apresenta à percepção”, “em estado de disponibilidade não reativa à apreensão do percepto”. Este subnível se apresenta de duas maneiras: como “qualidade de sentimento absorvente e absoluta na faísca fora-do-tempo do lapso em que dura” e como “revelação perceptiva que corresponde não apenas à identidade formal entre o percepto (o estímulo exterior) e o percipuum (o modo como o percepto é apreendido na mente), mas corresponde também a uma identidade material para ambos.”. O aspecto ativo que corresponde ao segundo subnível é a “reação da mente ao percepto”, que quando “aparece apenas no seu aspecto qualitativo, a reação da mente é produzir possíveis associações sob a lei da similaridade” (Idem, 2015: 62, 63). Os hipoícones ou signos icônicos “representam algo”, são intrinsecamente triádicos, “governado pela similaridade e relações de comparação” (Idem, 2015: 64). Sintetizando, “a imagem é similaridade na aparência, o diagrama, nas relações, e a metáfora, no significado.”. (Idem, 2015: 65) Como o questionamento refere-se às imagens internas, estas estão inseridas em um tempo, o tempo na imagem, intersticial, ou seja, o tempo da percepção, que nasce no encontro entre o “sujeito perceptor e um objeto percebido”, quer dizer, “o tempo que é construído na e pela percepção. Em todos os seus níveis, a percepção é feita de tempo”. (Idem, 2015: 87). No processo perceptivo existem três elementos envolvidos: a insistência do percepto, o papel dos sentidos e o julgamento de percepção. Com o objetivo de elucidar a compreensão sobre o funcionamento da temporalidade lógica da percepção, inserida na filosofia científica de Peirce, faz-se necessário o aprofundamento dos elementos envolvidos. O primeiro, quanto a insistência do percepto, define-se como um elemento coativo de insistência na percepção, algo fora de nós que se apresenta aos sentidos, elemento não-racional. O segundo, em relação ao papel dos sentidos, que Peirce propõe “considerar o percepto, tal como ele é imediatamente interpretado, no julgamento da percepção sob o nome de percipuum” (CP 7.643), ou seja, quando um conjunto de perceptos toca nossos sentidos, automaticamente é convertido em percipuum – objeto imediato. O terceiro, ingrediente - o julgamento de percepção, uma interpretação: signo. “É só através desse julgamento que identificamos e reconhecemos o estímulo percebido” (SANTAELLA, 2015: 90). O objeto dinâmico está sempre fora. “Em síntese, o percepto bate à porta, insiste, mas é mudo. O percipuum é o percepto já traduzido pelos sentidos. Essa tradução pelos sentidos tem três níveis, o do sentimento, o do choque e o do automatismo interpretativo” (Idem, 2015: 90), que é o juízo perceptivo, o qual por ter caráter interpretativo mostra o que está sendo percebido. Deixa-se patente a hipótese de que a comunicação que ocorre nas novas constelações inicia-se e encerra-se pelo mesmo ponto: a primeiridade e o ícone, em um processo cíclico que corrobora para o equilíbrio do sistema. A esse respeito cabe considerar o processo sistêmico nas constelações, que se mostra sob a forma de compartilhamento de saberes: Num sentido mais amplo, as constelações podem chamar-se “sistêmicas” porque se desenvolvem como um processo por imagens. Os sistemas, na medida em que não podem ser descritos em termos causais em sua realimentação e em sua complexidade, só podem ser apresentados numa linguagem visual, através de histórias e imagens. Uma imagem nos dá a perceber, como um todo e simultaneamente uma variedade de informações e de processos. Nesse sentido, nossa percepção (ao contrário da reflexão) é sempre um processo sistêmico. Por exemplo, às vezes nos lembramos de um conto de fadas apenas visualizando a respectiva figura no livro. Aquela figura armazenou as informações essenciais sobre a história e as comunica como um olhar sobre o acontecimento, que aciona a história, o fio condutor que a sustenta e o fim que a resolve. (SCHNEIDER, 2007: 107) Nesses saberes, estão contidos processos de síntese, padrões e consequências finais, produzidos a partir de hábitos, que podem ser: instintivos das espécies, sociais ou culturais de uma população, ou ainda, hábitos naturais que chamamos de leis da natureza. Neste contexto, Hellinger apresenta o conceito de forças ou leis naturais, por meio do título de “as ordens do amor”, que são: o pertencimento, a hierarquia e o equilíbrio entre as trocas. Quando essas ordens se apresentam em desequilíbrio (emaranhamento), todo o sistema tende a uma desarmonia ou assimetria que abarcam várias gerações. Para lançar luz sobre a proposta de desconstruir o raciocínio do modelo funcionalista clássico comunicacional, instiga-se o pensamento semiótico, com uma lógica universal que vai além da psicologia humana, em uma proposta abrangente, ao estudar os processos mentais distribuídos no universo – o que para Hellinger, é o mesmo que o “campo dotado de saber” (HELLINGER, 2003: 18), que ele prefere chamar de “alma” ou “grande alma”, ao transcender e dirigir o indivíduo. A alma, em latim, anima, é o que possibilita o animalesco. Portanto, aquilo que dá alma ao que vive e possibilita a vida. A alma não é nada individual, algo que o indivíduo tem, mas o indivíduo participa dessa alma. Para mim essa “grande alma” dirige a evolução. A evolução é dirigida por algo que sabe, e isso é a alma. Quem pode se entregar aos movimentos da alma, pode evoluir. (...) E é preciso esclarecimento e purificação para perceber os movimentos profundos da alma e segui-los. (HELLINGER, 2019: 70) Faz-se necessário citar para equiparar vocabulário e definições: O campo espiritual é um campo no qual algo é consciente. Ele é ciente. Nesse campo existe um movimento no qual aquilo que está separado deseja ser unido. É um movimento consciente. Esse campo possui o objetivo claro de trazer algo à consciência. Por isso, prefiro falar aqui de uma grande alma, de uma alma em comum a qual nos sentimos conectados a todos que pertencem. (...) Esses movimentos são movimentos do amor. (HELLINGER, 2015: 84) As dinâmicas que ocorrem nas constelações se dão num perpassar entre as consciências discriminadas por Hellinger em três níveis – individual ou pessoal, coletiva e espiritual ou universal. As diferentes consciências são campos espirituais. A primeira delas, a consciência pessoal, é estreita e tem o seu alcance limitado. Pois, através de sua diferenciação entre o bom e o mau, só reconhece para alguns o direito de pertencer, excluindo outros. A segunda, a consciência coletiva, é mais ampla, defendendo também os interesses daqueles que foram excluídos pela consciência pessoal. Por isso, está frequentemente em conflito com a consciência pessoal. Contudo, a consciência coletiva também tem um limite porque abrange somente os membros dos grupos que são governados por ela. A terceira, a consciência espiritual, supera as limitações das outras duas consciências, limitações estas que surgem através da diferenciação entre bom e mau e da diferenciação entre pertencimento e exclusão. (HELLINGER, 2009: 53) Hellinger nomeia essa dinâmica de “os movimentos da alma”, que são autônomos, ou seja, quando se escapa da pressão das consciências individual e coletiva, sem desrespeitá-las, algo se põe em movimento. Pode-se entender que, para Peirce, seria similar ao “mover dos processos mentais distribuídos”. Na sobreposição do processo das novas constelações ao pensamento semiótico, pode-se traduzir que por meio de análises da experiência, que são particulares, observa-se um fato ou alguma informação, por intermédio de canais perceptivos que produzem um juízo, e este tem a forma de uma proposição. Ou seja, o representante nas novas constelações, capta por meio do percepto (que está sempre fora, ícone - primeiridade) algo abstrato, e este se transforma automaticamente em percipuum, pela ação da mente, produzindo uma inferência, um julgamento de percepção que identifica o que foi percebido, e este, é demonstrado e expressado em silêncio, por meio de sentimentos, ações e movimentos (o confronto, choque, índice - secundidade). Posteriormente, tem-se os aforismos, “frases de solução”, Hellinger cita que “a fala correta é o que leva adiante” (HELLINGER, 2009: 95), e que, às vezes, apenas uma palavra ou uma frase, transforma (cria relações e correlações entre as coisas, cria o continuo, símbolo – terceiridade). Alusivo à primeiridade, embora seja um elemento imediato, que não nos permite realizar mediação, observa-se nas novas constelações que é justamente nesta categoria que se encontra o resultado para a problemática no tocante às imagens internas. Cabe apresentar como asserção ao pensamento de Hellinger, atual e única até o momento, a justificativa de que a comunicação na nova constelação se dá mediante a um “campo mórfico” ou “campo morfogenético” - termo utilizado pelo biólogo Rupert Sheldrake - que são campos de forma, de padrões ou estruturas de ordem, transmitidos geneticamente, através do DNA, para os seres de mesma espécie. Estes campos existem em todos os seres vivos, em todas as moléculas, e se propõem, como hipótese, a serem um "campo organizador", transmitindo informações que atravessam o espaço e o tempo e atingem os seres de mesma espécie fazendo com que tenham o mesmo tipo de comportamento que seus antecessores já tiveram, sem ter havido qualquer contato entre eles, por meio da formação de hábitos que dependem de um processo chamado de “ressonância mórfica”, que se aplica a todos sistemas auto-organizadores (SHELDRAKE, 2014: 108). Para Hellinger, é “quando alguma coisa se desenvolve segundo um determinado padrão” e, mais tarde, este “se repete.”. (2009: 141) Nesses campos de memórias, encontram-se inseridas as consciências, que possuem diferentes níveis de atuação. A consciência individual atua sobre questões psicológicas, que abarcam toda a história do indivíduo desde o nascimento. A consciência coletiva atua sobre a experiência, comportamentos que foram desenvolvidos durante a vida, como devemos nos comportar e agir para sermos aceitos em sociedade. E a consciência espiritual atua sobre o sistema como um todo. Embora o conceito dos campos mórficos seja aceito, constata-se algumas distorções ou problemas para uma exata explicação, no que se refere aos termos utilizados e significações quanto às novas constelações. Como nas menções: Existem algumas confusões sobre os termos campo e alma. Sheldrake me disse em uma conversa: "Campo não é um bom termo." Os primeiros que se dedicaram a estudar os campos foram filósofos alemães no início do século passado. Já haviam sido feitas observações relativas aos campos espirituais. Eles usaram a palavra "alma". Falavam de uma alma generalizada e também da alma do mundo. Mas a palavra alma não era aceita pela ciência. Por isso, preferiam falar em campo. (HELLINGER, 2009: 140) Agora, porém, tenho as minhas dúvidas. Essa alma familiar encontra-se presa nesse campo, isto é, nesse campo tudo se repete. Os destinos da família são repetidos. Quando uma pessoa se encontra emaranhada no destino de um membro familiar anterior, comportando-se de modo correspondente, então alguém de uma próxima geração se encontrará emaranhado com ele. Portanto, o emaranhamento não soluciona nada. Sheldrake observou que algo de fora precisa vir ao encontro dessa alma, algo maior. Ele o denominou spirit. (Idem, 2009: 140) Para remodelar ou produzir um novo sentido, a ser aceito pelo senso comum, dando espaço a conceitos maleáveis e passíveis de reconstruções, produzindo alternativa à tradicional concepção sobre o campo mórfico, parte-se da reflexão semiótica sobre hábitos e crenças para justificar a repetição de padrões. No entanto, como não é possível comunicar uma experiência imediata, necessitamos de um símbolo, que tenha uberdade, ou seja, a capacidade criativa de fazer nascer coisas no mundo, e por meio deste, transmitir as crenças e impressões gerais. Mediante o conceito Peirceano de percolação - análogo ao coar de um café – ao se extrair a essência das coisas, restam as crenças, um conceito aceito, uma asserção que fazemos a nós mesmos, e que estamos não só dispostos a externalizar por meio de nossa comunicação, mas principalmente estamos dispostos a agir em conformidade com estas crenças que, posteriormente, se transformam em hábitos. Uma crença é um processo de auto-organização local da informação. Como definição pragmática de significado, uma das formas de esclarecer as ideias é observar quais as consequências, efeitos, ações ou condutas que são manifestadas a partir da crença. O significado da crença é justamente o conjunto de todos os hábitos de conduta - padrões de comportamento e regularidades de ações. Para que uma crença seja fixada, de modo científico, deve-se adotar o método falibilista, ou seja, todas as crenças são falíveis, e para isso, deve-se ampliar o olhar e estar disposto a quebrar ou reformular crenças para se formarem novos hábitos. Assim, um indivíduo é composto de uma relação entre as crenças – “uma conexão habitual de ideias” (CP 7.359-60), e de como elas se relacionam na cultura em que o indivíduo a experimenta, no mundo onde as relações são exercitadas e a quais propósitos futuros se permitem. Desta forma, cada conceito tem uma intensidade de crenças, e cada um de nós é a resultante das diversas crenças professadas nessas relações. Dissolvendo- se o sujeito, o que restam são as relações, e a única maneira de representar essas relações semioticamente é por meio de diagramas. Embora haja muitos esboços de Peirce para o desenvolvimento de uma teoria geral dos diagramas, as premissas a respeito da categoria geral não são encontradas, por razões editoriais, nos Collected Papers. A partir do argumento de que as propriedades mais relevantes dos ícones não receberam um tratamento metateórico apropriado, com base em ícones, Frederik Stjernfelt aprofunda e detalha os estudos de Peirce, referenciados neste texto por Santaella, e os divide em: imagens (primeiridades – qualidades simples), diagramas (imagem visual que representa um esboço-esqueleto das relações) e metáforas (similaridade com o objeto), explorando o papel epistemológico dos diagramas e detalhando sua natureza semiótica e sua determinação dupla – icônica e simbólica, perceptual e geral. Através da manipulação dos ícones, pode-se obter uma nova informação sobre o objeto. “Um ícone é caracterizado por conter informação implícita que, para aparecer, deve tornar-se explícita por algum procedimento acompanhado por observação” (STJERNFELT, 2007: 359). “As relações diagramáticas são observacionais e universais, e constituem condição de possibilidade para existirem como ícone (observacionalidade) com respeito à possibilidade de aplicação de experimentos geralmente válidos (universalidade).”. (Idem, 2007: 364) A ponderar a repetição atávica de atitudes, crenças e hábitos, vislumbradas nas novas constelações, às quais impactam o sistema como um todo, positivamente ou negativamente, apresenta-se como exegese semiótica diagramática, a considerar, a inferência de novos contextos com relação às crenças, influenciando as relações que, consequentemente, interferirão sobre a maneira de representar o mundo e de agir no futuro. Porém, para isso, deve-se ampliar os horizontes e inserir considerações para aprofundar e somar: Tudo está em movimento, quer dizer, em um movimento criativo. Por trás age uma força que é criativa, inesgotavelmente criativa. Esta é a força essencial. Quando nos tornamos vazios internamente, entramos finalmente em contato com nossa causa primeira. Trata-se dessa força criativa. Essa causa primeira não é apenas minha causa primeira, é a causa primeira de cada um de nós, do mundo como um todo. À medida que entro em contato com essa causa primeira, encontro-me simultaneamente em contato com todos os outros. Nesse contato, porém, quando me desloco para essa profundeza, não sou mais eu que atuo a partir de mim mesmo. Minha causa primeira atua em conjunto com todos os outros, pois é a causa primeira deles e também a minha. Neste trabalho, o ato de atuar criativamente surge apenas através desse caminho e dessa conexão. Por isso podemos realizar este trabalho apenas quando tivermos caminhado pelo menos parte desse caminho do conhecimento, quando tivermos internalizado essa filosofia, quando algo se realiza através e para além de nós, e não somos mais nós mesmos. Então podemos realizar este trabalho. Isso naturalmente não é mais psicoterapia. Este trabalho vai muito além. É filosofia aplicada e capacitação para a vida. Se desejássemos reduzi-lo às categorias da psicoterapia, perderíamos de vista o essencial (HELLINGER, 2009: 139). Neste ponto, Hellinger converge com o pensamento de Peirce, pois como um realista, acreditava que a natureza tem padrões, leis e regularidades, que são independentes de nossas crenças, isto é, existe algo fora de nós que não é afetado ou alterado por aquilo que possamos pensar a respeito. Estamos em um universo pansemiótico. Na concepção de Peirce, o universo é algo integral, ou seja, as três categorias fenomenológicas (primeiridade, secundidade e terceiridade), vão se tornando categorias ontológicas - que procuram descrever as essências das coisas no mundo e o ser, e lógicas. Nesse sentido, considerando todos os contextos, problemas, impasses e dilemas relatados sobre a maneira como se argumenta a comunicação nas novas constelações, acredita-se que a semiótica - que procura estudar os processos mentais distribuídos no universo - possui uma lógica apropriada para fazer deduções a partir do diagrama sugerido abaixo (figura 1), acrescido de hipóteses, com o objetivo de extrair proposições por intermédio de um elemento/signo, designado “k-signo” - “k” em homenagem a cosmologia de Peirce, e do grego kosmos (organização, harmonia, ordem). Este k-signo teria, como representação parcial, um fundamento (ground), com características ontológicas de interconexão, reminiscência, permeabilidade, representação, ubiquidade e função homeostática do sistema como um todo. Acrescido a este, substituiria-se o termo "campos morfogenéticos", utilizado nas constelações, para a nomenclatura "malha semiótica", na tentativa de incluir sistemas transgeracionais, alinhar conceitos e nomear diagramaticamente a área de delimitação que se restringe à mente, no que concerne a crenças e hábitos. Figura 1: Diagrama Fonte: Criado pela autora Ajustou-se o vocabulário ao propósito deste texto, como mencionado anteriormente, para regular o que possa vir a denotar religiosidade, evitando equívocos e possíveis incompatibilidades, e fazendo uso de uma lógica que possa ser apreciada e utilizada para atestar o pensamento semiótico. Partindo do princípio de que somos sementes dialogando com o sentido produzido no universo, como na teoria do sinequismo, em que Peirce afirma a continuidade entre matéria e espírito, como parte da tríade de sua cosmologia evolucionária: tiquismo, sinequismo e agapismo, adotam-se as hipóteses de que: o “k-signo” dialoga na categoria de primeiridade e possui a função de equilíbrio do sistema. Nasce a partir das dinâmicas das novas constelações e, por intermédio das consciências discriminadas por Hellinger nos níveis - individual, coletivo e espiritual ou universal, age em ressonância, atingindo de forma ubíqua a homeostase da "malha semiótica" e do percepto - "elemento mínimo que dá início à semiose perceptiva" (ROMANINI, 2006: 55). A malha semiótica incorpora os termos alma, campo morfogenético e campo dotado de saber, e é movida pela evolução. “Todo movimento da vida é um movimento do espírito” (HELLINGER, 2015:39). A leitura ou interpretação do diagrama segue, na categoria de primeiridade, concluindo-se que, por meio do percepto, obtemos compreensões que vão além do pensamento e das palavras, e que estes entendimentos podem ser interiorizados e acolhidos na essência do ser, em uma espécie de semiose interna, inconsciente e recôndita que, de alguma maneira inexplicável, propaga a informação pelo kosmos e chega aos canais perceptivos num ciclo contínuo de novos conhecimentos. Assim, ao interferir diretamente na primeiridade (imagens internas), a categoria de terceiridade (frases de solução), adquire apenas a função de averbação para uma nova crença, o que isolada não responderia por completo ao questionamento inicial. Em suma, o raciocínio diagramático nos permite vislumbrar a comunicação e a semiose, que antes era justificada apenas pela biologia, como realmente o título se propõe, a uma transversão ou transformação, não no sentido de uma mudança química, mas no contexto de uma alteração na maneira de interpretar e vislumbrar, que corrobora para um saber especulativo e metafísico. Espera-se que este artigo tenha, não apenas, como em muitos parágrafos a perspectiva por vezes implícita, de instigar uma leitura de Hellinger a partir das “lentes peirceanas”, como também, possa germinar a adoção de uma postura curiosa como elucida Hellinger ao sugerir “mantemo-nos constantemente abertos para o novo, como os olhos de uma criança que descobre algo novo a cada dia” (HELLINGER, 2009: 141). Referências HELLINGER, Bert com Hanne-Lore Heilmann. Meu trabalho. Minha vida. A autobiografia do criador da constelação familiar. 1º Edição. Editora Cultrix. 2020. — O Amor do Espírito na Hellinger Sciencia. 1º Edição. Editora Atma. 2009. — Ordens do Amor. Um guia para o trabalho com as constelações familiares. 1º Edição. Editora Cultrix. 2003. — Olhando Para a Alma Das Crianças. A Pedagogia Hellinger® ao vivo. Patos de Minas. Editora Atman. 2015. — Viagens Interiores. 2º Edição. Editora Atman. 2015. HELLINGER, Sophie. A Própria Felicidade. Fundamentos para a constelação familiar. 2º Edição. Volume 1. Editora Tagore. 2019. KAHN, Charles H. The Art and Thought of Heraclitus. Cambridge, Cambridge University Press, 1979. PEIRCE, C.S. (1931–1935). The collected papers of Charles S. Peirce. Edição eletrônica reproduzindo Vols. I-VI [Ed. Hartshorne, C. & Weiss, P., Cambridge: Harvard University, 1931-1935], Vols. VII-VIII [Ed. Burks, A. W., Cambridge: Harvard University, 1958]. Charlottesville, Intelex Corporation. [Obra citada como CP, seguido pelo número do volume e número do parágrafo] — (1998 [1893–1913]). The essential Peirce: selected philosophical writings. Peirce Edition Project (ed.). Bloomington: Indiana University Press. [Obra citada como EP, seguido pelo número do volume e número da página] ROMANINI, Anderson Vinícius. Semiótica Minuta: especulações sobre a gramática dos signos e da comunicação a partir da obra de Charles S. Peirce. (Tese - Doutorado em Ciências da Comunicação – jornalismo) – Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo: 2006. — Contribuição de Peirce para a Teoria da Comunicação. CASA: Cadernos de Semiótica Aplicada, v. 14, n.1, p. 13-56, 2016. Disponível em: . Acesso em: 14 julho 2020. SANTAELLA, Lucia; NÖTH, Winfried. Imagem. Cognição. Semiótica. Mídia. Editora Iluminuras. São Paulo. 1º Edição. 1997 - 9 º Reimpressão, 2015. — Percepção. Fenomenologia: Ecologia. Semiótica. Editora Cengage Learning. São Paulo. 2012. SCHNEIDER, Jakob Robert. A Prática das Constelações Familiares Bases e Procedimentos. Editora Atman. 2007. SHELDRAKE, Rupert. Ciência sem Dogmas. A Nova Revolução Científica e o Fim do Paradigma Materialista. Editora Cultrix. São Paulo. 1º Edição. 2014. STJERNFELT, Frederik. Diagrammatology. An Investigation on the Investigation on the Borderlines of Phenomenogy, Ontology, and Semiotics. Springer. 2007.

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