JUSTIÇA SISTÊMICA NO BRASIL: SOB A PERSPECTIVA DO EXPERT DÉCIO FÁBIO DE OLIVEIRA JÚNIOR
Por: Eulice Jaqueline da Costa Silva Cherulli
Por: Eulice Jaqueline da Costa Silva Cherulli
JUSTIÇA SISTÊMICA NO BRASIL: SOB A PERSPECTIVA DO EXPERT DÉCIO FÁBIO DE OLIVEIRA JÚNIOR SYSTEMIC JUSTICE IN BRAZIL: FROM THE PERSPECCTIVE OF EXPERT DÉCIO FÁBIO DE OLIVEIRA JÚNIOR Eulice Jaqueline da Costa Silva Cherulli 1 Resumo: Entrevista de Décio Fábio de Oliveira Júnior, precursor da Justiça Sistêmica no Brasil Tem-se, como ponto de partida, a entrevista concedida por Oliveira, em 2021, durante a aplicação de um curso de formação no âmbito do Tribunal de Justiça do estado de Mato Grosso. 1 Juíza de Direito do Poder Judiciário do Estado de Mato Grosso. Pós-graduada em Constelações Familiares Hellinger aplicada ao Direito Sistêmico pela Hellinger Schule-Innovare; MBA em Poder Judiciário pela Fundação Getúlio Vargas, Mestre em Filosofia e doutoranda pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Porto Alegre–RS e pesquisadora convidada da Universidade Federal de Mato Grosso – Campus Araguaia – Nupedia. Lattes: http://lattes.cnpq.br/6067585013372674. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8484-6844. E-mail: jaquelinecherulli@hotmail.com. Introdução Inicialmente, faz-se necessário indicar quem é o profissional entrevistado, para então apresentar as concepções sobre Justiça Sistêmica, que subsidia este estudo. Décio Fábio de Oliveira Júnior (Décio Oliveira, deste ponto em diante) graduou-se em Medicina pela UFMG, em 1990; concluiu sua primeira pós-graduação, em Cirurgia Pediátrica, no ano de 1993, pela mesma universidade e, em 1999, realizou a segunda pós-graduação, em Acupuntura, pelo Instituto Brasileiro da Evolução Humana (IBEH). Médico e cirurgião, após 20 anos de exercício na profissão, deixou sua carreira para dirigir o Instituto de Desenvolvimento Sistêmico para a Vida (IDESV), empresa dedicada à difusão do pensamento e da postura sistêmica, além da Editora Atman, que já publicou mais de 30 títulos ligados aos temas. Tornou-se especialista em três abordagens altamente relevantes para as organizações: Teoria das restrições de E. Goldratt, Teoria da complexidade de E. Jaques e Abordagem fenomenológica de Bert Hellinger. Buscamos aporte no conceituado estudioso para ampliar a compreensão sobre a aplicação da Justiça Sistêmica, que tem como pressuposto a composição, a reconciliação e a construção de uma cultura de paz. Para concretude dessa cultura, necessita-se que seus exercitores atuem a partir de uma postura orgânica, a qual busque a resolução dos conflitos mediante a construção de uma Justiça Sistêmica. Trata-se de aplicar os ensinamentos postulados pelo filósofo e cientista Bert Hellinger, que, pelo familienstellen, fecundou o que hoje buscamos, uma Justiça Sistêmica, por meio de mudanças na forma de pensar, agir e de tratar as relações decorrentes das demandas da justiça. Familienstellen é termo oficial e reconhecido internacionalmente, para referenciar-se às Constelações Familiares originais de Hellinger. De acordo com as notas do site hellinger.com, Sophie Hellinger decidiu, em 2020, introduzir e manter o termo não traduzido em todas as línguas, para evitar confusão ou algum mal-entendido. Para maiores informações, deve-se acessar: https://www.hellinger.com/pt/ constelacao-familiar/o-que-e-constelacao-familiar/o-termo-familienstellen/. No prefácio da obra A origem do Direito Sistêmico (2020), de Sami Storch, assinado por Sophie Hellinger, o termo também é utilizado para se referir às Constelações Familiares (STORCH, 2020, p. 13). A reflexão a ser apresentada partiu de uma entrevista concedida por Décio Oliveira a esta pesquisadora, diante da realização do curso Justiça Sistêmica, ofertado no ano de 2021, pelo TJMT. O curso contou com a inscrição de 500 participantes e foi promovido pelo IDESV (Instituto de Desenvolvimento para a Vida). Nele, buscou-se possibilitar a construção de novos saberes voltados para auxiliar no processo de compreensão dos fatores de atuação social e do comportamento humano, como forma de encontrar a resolução de um problema de dentro para fora. A referida entrevista pode ser acessada na íntegra por meio do link: https://www.youtube.com/watch?v=CzY ekRuIAYs&lc=UgxBdpJ4J sh4dn7-iCV4AaABAg. Destaca-se ainda que, para fins de organização textual, no decorrer deste estudo, as falas do entrevistador serão referenciadas pelas iniciais EDO (Entrevistado Décio Oliveira) e as da entrevistadora por EJC (entrevistadora autora). Dialogando com Décio Oliveira a partir dos pressupostos hellingerianos A entrevista realizada com Décio Oliveira teve, desde a sua abertura, um marco importante, que é a ratificação quanto à importância da realização do curso de formação para os juízes, servidores e colaboradores do Tribunal de Justiça do estado de Mato Grosso. Você atendeu a uma grande expectativa da Desembargadora Clarice Claudino da Silva, que, até 2020, foi presidente do NUPEMEC [Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos], que era de trazer a abordagem da filosofia hellingeriana para o nosso ambiente, proporcionando, aos servidores, aos juízes, aos desembargadores, às equipes técnicas, aos mediadores, aos conciliadores, aos facilitadores de círculos da Justiça restaurativa, esse teu jeito de trabalhar (EJC). Ao contextualizar o assunto, foram abordados os temas que compõem o que se denomina Justiça Sistêmica, de forma fluida e leve, visando compreender como o entrevistado conduz os assuntos voltados à temática. Esta pesquisadora acha relevante pontuar que participou de um evento anterior, que reuniu vários outros órgãos do Judiciário, para compartilhar experiências sobre o que estava sendo realizado nos estados a respeito da Visão Sistêmica da Justiça, do Direito Sistêmico e da abordagem sistêmica. Naquela ocasião, o entrevistado, que também esteve presente à época, contribuiu apresentando “experiências genuínas” (EJC) sobre o assunto. Assim, aformação ofertada no início de 2021, pelo TJMT, mostrou-se um meio para concretizar os desejos da Administração do órgão, de levar aos seus juízes, servidores e colaboradores as premissas ensinadas por Bert Hellinger ao longo da sua carreira. Esse desejo ocorre porque o Judiciário contemporâneo tem procurado adotar uma postura diferenciada na sua forma de atuar, buscando por uma concepção que faça com que as decisões e os julgamentos ultrapassem a dicotomia certo e errado. Busca, ainda, que se agreguem outros valores necessários para a compreensão do todo, que vão auxiliar na busca por uma solução mais humanizada e que alcance a pacificação social. Sobre isso, Hellinger (2009, p. 23) assim aduz: Gostaríamos de dividir o mundo em duas partes: uma que possui o direito de existir e outra que, embora exista e atue, não possui esse direito. A primeira parte denominamos bom ou saudável, felicidade ou paz. A outra denominamos mau ou doente, infelicidade ou guerra ou lhe damos qualquer outro nome. O fato é que chamamos de bom ou benéfico o que é leve para nós, e de mau ou maléfico o que nos é pesado. No entanto, conforme alerta Hellinger (2009, p. 23), se olharmos com mais atenção os acontecimentos que permeiam a sociedade, é possível perceber que: [...] a força que faz o mundo avançar baseia-se no que chamamos de mau ou maléfico. O desafio para aquilo que é novo vem daquilo que gostaríamos de eliminar ou excluir. Assim, quando buscamos escapar do que é pesado, pecaminoso ou agressivo, perdemos justamente o que queríamos conservar: nossa vida, nossa dignidade, nossa liberdade, nossa grandeza (HELLINGER, 2009, p. 23). Hellinger ainda pontua que as possíveis causas dos conflitos podem ter origem em diversas questões e, na maioria das vezes, encontram-se enraizadas em fatos familiares ocorridos no passado, os quais se manifestam no presente, de forma que: [...] dentro dessa estreita comunidade de destino, o vínculo e a necessidade de compensação levam ao equilíbrio e à participação na culpa e na doença, no destino e na morte de outros. Levam à tentativa de pagar pelo bem-estar do outro com o próprio infortúnio, pela saúde do outro com a própria doença, pela inocência do outro com a própria culpa e pela vida do outro com a própria morte (HELLINGER, 2009, p. 68). Nesse sentido, implementar práticas formativas se faz importante, conforme apontado por Décio Oliveira, ao se manifestar sobre a relevância do evento ofertado pelo TJMT. [...] nesse evento, que foi generosamente construído a várias mãos para permitir o acesso das pessoas que têm um contato com o tribunal, de maneira direta ou indireta, a aquilo que nós consideramos que são as joias da coroa, vamos dizer assim, da abordagem sistêmica no momento, para poder permitir que alguns problemas, que são considerados muito difíceis e talvez insolúveis, no âmbito dos conflitos que assolam a sociedade brasileira, e que o Judiciário tem um papel importantíssimo na solução desses casos, possibilitando que isso se torne uma realidade. Ainda mais em uma época tão difícil como essa que nós estamos passando agora (EDO). De acordo com o entrevistado, as mudanças são necessárias e, para tanto, devemos romper com os paradigmas e estarmos abertos a novas práticas e posturas, vencendo resistências. Nesse sentido, o estudioso relata uma situação que experienciou no final da década de 1990, permeada por sua condição enquanto médico: [...] Eu tinha uma certa resistência, devo confessar, por qualquer coisa que envolvesse a psicologia ou psicoterapia, porque eu era cirurgião, e cirurgião geralmente só acredita naquilo que vê. Eu mandava também meus pacientes para psicoterapias, e eles voltavam piores ou iguais, então, não tinha razão para eu acreditar que aquilo funcionava. Mas, por outro lado, era um cientista cético, assim, muito cético... Então, a vantagem do cético é que se você mostrar para ele, ele acredita [...] (EDO). De acordo com Décio Oliveira, com base em uma experiência pessoal, durante uma constelação envolvendo seu filho, foi que ele compreendeu a necessidade de estudar sobre a temática. Conforme relatado pelo entrevistado, o evento envolveu ainda a sua esposa, e eles decidiram buscar juntos um treinamento sobre as constelações de Hellinger. Conforme relata: [...] nós ousamos em convidar o Bert Hellinger para vir ao Brasil, e ele veio sob nossa organização durante muitos anos, até que o próprio escritório da Alemanha dele assumiu essa organização e, depois de um certo tempo, nós também fundamos a ABC Sistema. [...] Então, nós investimos muito no início, especialmente em termos de energia e de dinheiro, particular e de trabalho, até que, com a vinda do Bert, nós começamos a dinamizar e depois começamos a trabalhar com isso. Fundamos o instituto, que, inicialmente, tinha o nome do Bert, por licença dele, que permitiu criar um Instituto: o Bert Hellinger Brasil Central. [...] até que, em 2016, [...] nós mudamos para Instituto Desenvolvimento Sistêmico para Vida, o IDESV (EDO). A partir desse cenário, o curso ofertado ao TJMT, pelo IDESV, buscou trabalhar a cultura do diálogo e da pacificação, mediante a utilização de técnicas autocompositivas, especialmente a postura sistêmica, tendo como aporte a ciência filosófica de Bert Hellinger. Hellinger indica a necessidade de identificação e compreensão quanto à origem do conflito e de como esses fatores influenciam o comportamento dos sujeitos nas suas relações sociais, no intento de encontrar a melhor forma de resolução para a demanda. Isso porque, para lidar com as complexidades de um indivíduo, necessário se faz contar com uma postura que permita ultrapassar os limites dos conhecimentos tradicionalmente estabelecidos e levar em conta a profundidade de cada sujeito. Nesse sentido, Hellinger (2008, p. 139) sinaliza que: Outra dificuldade surge quando, após encontrar a solução, queremos também uma teoria sobre ela. Perdemos a solução se a teorizamos. A teoria é sempre insignificante perto da experiência que tenta descrever e não dá conta de seu alcance total. Quando alguma coisa acontece e procuro explicá-la com uma teoria, fico apenas com a ponta do iceberg. Assim, é imprescindível ampliar os estudos e campos de investigação sobre a abordagem 136 sistêmica, conforme foi apontado por Décio Oliveira em uma das suas falas: E, assim, nós começamos a investigar outras possibilidades de acesso das pessoas ao campo sistêmico. Entendemos e criamos uma metodologia meio única de ensinar o pensamento sistêmico. Essa metodologia evoluiu a partir da nossa própria experiência e, sem sombra de dúvida, hoje somos a escola de constelações mais abrangente e com mais alunos do país. A escola nacional com o maior número de alunos é a nossa. Nós devemos ter aí alguma coisa perto de dois a três mil alunos formados ao longo desses anos; e um número, talvez o dobro daquele, de pessoas atendidas em workshop e constelação. Então, nós vimos que a abordagem sistêmica era mais do que simplesmente as constelações, então, para nós, soou um pouco estranho e continua soando a ideia de que nós temos que levar as constelações para dentro do Judiciário ou para dentro das escolas, dos hospitais etc., pois começamos a compreender que isso não é necessário, pois, mesmo sem levá-las a esses lugares, nós conseguimos obter excelentes resultados (EDO). O entrevistado aponta que o alcance do método ficou mais claro para ele quando surgiu a possibilidade de aplicar as concepções sistêmicas em um curso na área da educação, pois, de acordo com suas palavras, “[...] na educação, está a maior oportunidade de resolver o problema dos conflitos interpessoais, [...] nós tínhamos que ensinar na infância, nós tínhamos que “botar isso na água das pessoas”” (EDO). Ainda de acordo com o entrevistado, as pessoas que participarem do treinamento poderão, por exemplo: [...] conseguir, por si mesmas, perceberem coisas como: quem chegou antes merece nosso respeito, que todas as pessoas, de uma maneira geral, que pertencem aos nossos sistemas, têm que ser incluídas no nosso coração e que a gente tem que tocar, de uma maneira equilibrada, a nossa vida (EDO). Sobre o curso voltado para educadores, Décio Oliveira relata alguns casos ocorridos nas dinâmicas experienciadas, como o de uma de suas alunas: que: A vida mudou completamente, e ela passou a perceber como a nossa postura interna influencia as nossas relações de maneira profunda, ou seja, a maneira como nós tratamos os outros, a maneira como nós olhamos para as pessoas tem um efeito recíproco nas nossas relações (EDO). Esse resultado coaduna com os ensinamentos de Hellinger (2008, p. 11), quando nos diz O sistema das Ordens do Amor influencia-nos do mesmo modo que o ambiente influencia uma árvore. Se esta consegue equilibrar-se entre a força da gravidade e a atração do sol, cresce naturalmente na vertical, com os galhos igualmente distribuídos. Com essa forma, tem muita estabilidade. Se, porém, não consegue o equilíbrio, talvez por enraizar-se na parede de um penhasco, pode adaptar-se, crescendo tão verticalmente quanto o permita a conjunção de vento, solo, gravidade e sol. Essa árvore não é pior que sua prima do vale, mais espigada, mas pode ser menos estável e alta que ela. Ambas estão sujeitas às mesmas leis da natureza, porém sofrem diferentes pressões de seu habitat e cada qual encontra o equilíbrio orgânico da melhor maneira possível. De acordo com o entrevistado, isso ainda acontece de imediato, de modo que: [...] o jeito como nós tratamos os outros provoca neles um modo reverso de nos tratar, mas nossa maneira usual de pensar isso não bate. A gente pensa que as pessoas são mais estáticas, e são! Na verdade, na maior parte das vezes, as pessoas só estão respondendo a alguma coisa com um jeito de atuar. Eu comecei a perceber que nós podíamos ensinar às pessoas a postura essencial que muda esse rumo da história e que isso era possível de ser feito sem necessidade de constelações, porque Bert Hellinger muito bem notou que essas leis são princípios básicos de sobrevivência, que evoluíram ao longo de milhões de anos ou, visto de outra maneira, evoluíram com os seres humanos (EDO). Esse entendimento coaduna com as constelações desenvolvidas por Bert Hellinger quanto à ciência dos relacionamentos humanos, por meio das ordens (leis sistêmicas) que conduzem essas relações. Essas ordens são pré-estabelecidas nas nossas relações humanas e, assim, na nossa alma coletiva. Elas também são trazidas à tona através das Constelações Familiares. Em primeiro lugar, através de violações contra tais ordens, através de seu oposto, de suas desordens (HELLINGER, 2014, p. 23). A compreensão e a aplicação desses ensinamentos ficaram evidenciadas na fala do entrevistado, quando destacou que: Nós somos essencialmente a criatura mais cooperativa que existe na face da terra, então, nossos antepassados aprenderam a cooperar e a fazer isso por causa de um instinto que basicamente criou três princípios: que é uma forte vinculação ao grupo; uma necessidade, uma clareza do lugar onde nós ocupamos nesse grupo e a função que exercemos dentro desse grupo e, por último, a necessidade de equilibrar as trocas, na certeza de que, se eu fizer uma coisa boa, o grupo vai me recompensar, mas também, se eu fizer uma coisa ruim com o grupo, ele vai me punir. Esse equilíbrio e essas três leis simples, se elas são verdadeiras, se são leis naturais e instintivas, então, o que nós observamos é que as pessoas vão conseguir extrair tudo a partir de pequenos exercícios, porque está dentro delas (EDO). Cumpre ainda trazer outro ponto levantado pelo entrevistado e que também é abordado por Hellinger, de que a constelação é apenas “[...] a ponta do iceberg e que há muito mais a ser vivido, experimentado, experienciado” (EJC), sendo o ganho dos envolvidos o fator mais relevante advindo desse processo a ser pautado na visão da Justiça Sistêmica. Esta foi a premissa maior, a qual levou à realização do curso proposto pelo TJMT. Buscando melhor compreender a contextualização da formulação e o desenvolvimento do curso realizado no TJMT, foi questionado ao entrevistado: “A formação em Justiça Sistêmica busca, então, o quê especificamente?”. Décio Oliveira assim respondeu: [...] na execução de qualquer trabalho, nós temos duas coisas importantes: a pessoa que está trabalhando tem que saber o que ela tem que fazer, então, se ela, um juiz, um oficial de justiça ou que seja uma pessoa que trabalha na área administrativa do Tribunal, ela tem que saber o que fazer, mas um outro componente muito importante que ninguém fala é o “como”, como a pessoa fala, que postura ela tem, como fazer. Faz um tremendo resultado, uma diferença tremenda no resultado. [...] então, essa postura que a gente chama é uma coisa que pode ser aprendida e que tem um efeito profundo na outra pessoa que está recebendo a mensagem. Então, o que nós pretendemos aqui ensinar para as pessoas é a importância desses princípios e a postura, como base para alterar aquilo que acontece, às vezes, de difícil nos relacionamentos (EDO). Diante disso, faz-se imprescindível conhecer a hierarquia ensinada por Hellinger, pois refere- se a questões de precedência e, ao tomar consciência disso, essas questões se esclarecem: Essa consciência, que vivenciamos em nossos sentimentos, como culpa e inocência, pertence mais a nossa alma que ao nosso espírito. Entramos em sintonia com esse espírito por meio de um movimento criativo, que é voltado para tudo, não importa como seja. Podemos ver que a nossa boa consciência tem mais a ver com a alma, com a nossa alma coletiva, quando observamos a diferença entre as boas consciências de cada família, ou seja, muitas coisas vivenciadas como culpa em uma família são sentidas em outras como virtude e inocência. A boa consciência serve a fins diferentes em famílias diferentes. [...] Essa consciência nos acompanha em todos os momentos. Ela reage imediatamente através de um sentimento de culpa, antes mesmo de pensarmos nisso. Ela nos possibilita reagir imediatamente e alterar nosso comportamento de forma adequada. A má consciência é um sentimento instintivo, similar ao nosso sentido de equilíbrio. Quando perdemos o equilíbrio, reagimos imediatamente por meio de um movimento através do qual o restauramos sem pensar, antes de nos machucarmos (HELLINGER, 2014, p. 28-29). De acordo com a análise efetuada das falas do entrevistado, isso é o que se busca nos cursos como o da Justiça Sistêmica, implementado pelo TJMT, uma vez que não se trata de formar consteladores, mas, sim, de ensinar a postura, os princípios hellingerianos. Se nós ensinarmos as pessoas como elas podem mudar a sua postura, e como essa postura é capaz de produzir um efeito benéfico, profundamente transformador nas relações dessa pessoa, profissionais e pessoais, nós teremos cumprido nossa missão. Eu acredito que nós desenvolvemos um método de fazer isso bastante simples, direto ao ponto, que é um pouco divertido, porque também tem que ser (EDO). Assim, a proposta para o curso aplicado no TJMT contou com a apresentação de conceitos hellingerianos, a partir de conteúdos gravados e disponibilizados por meio de uma plataforma EaD. Isto ocorreu para que as pessoas pudessem acessar e complementar o que seria repassado nos encontros presenciais. Por meio de uma abordagem voltada à contextualização da demanda e à necessidade da instituição, foram inseridos exercícios que tinham conexão com a prática diária de cada um daqueles que integravam o coletivo do TJMT. Para tanto, o público inscrito possui, dentro da instituição funções distintas e importantes, conforme apontado pelo entrevistado, ao dizer que: [...] o grupo de funcionários do TJ, que tem contato com as pessoas do lado de fora da instituição, ou seja, que tem principalmente contato com conflitos que estão vivos na sociedade, como o oficial de justiça, que vai ter que tomar uma criança da mãe, por exemplo, porque ela perdeu o direito de guarda da criança. [...] Portanto, ali nós vamos ensinar, por exemplo, como é que se lida quando a gente muda, por exemplo, de um fórum para outro, um local que nós chegamos depois, como é que se exerce a liderança sobre os que já estavam lá naquele local, essa situação, por exemplo, no que diz respeito aos gerentes de tribunal, não sei como é que é o nome que tem. [...] Como é que eles lidam com a situação quando, por exemplo, eles mudam de uma vara para outra, de um foro para outro, como é que eles lidam com a equipe nova, como é que eles conseguem exercer a liderança e como é que esses princípios afetam a liderança e o relacionamento, o bom relacionamento entre eles. Sobre os magistrados, muitas vezes, em relação às questões que envolvem isso, eles vão ter que ser o último dos mediadores, de última instância, eles vão ter que compreender as dinâmicas que envolvem, por exemplo, a alienação parental e como eles podem lidar com isso de uma maneira mais eficiente. De acordo com Décio, esse formato buscou atender às necessidades práticas de cada um desses grupos, uma vez que é essencial compreender a importância que as ordens propostas por Hellinger têm em um sistema corporativo. Nesse sentido, Hellinger sinaliza que: [...] a ordem que importa neste caso é a Ordem do Dar e do Tomar. Dar e tomar são necessidades básicas da vida. As relações dão certo quando o dar e o tomar estão equilibrados. Quando aquele que toma também dá e quem dá também toma. [...] Nosso trabalho e a organização que está detrás de nosso trabalho estão a serviço do cliente mediante aquilo que oferecem. Definitivamente, estão a serviço da vida (HELLINGER, 2013, p. 102). Nessa perspectiva, em se tratando do TJMT, foi destacada, por esta autora, a estrutura de Justiça Restaurativa, como um diferencial da instituição, algo que foi ressaltado por Décio Oliveira, quando afirmou: Eu acho que um tribunal que tem essa visão inovadora de estar em busca de soluções reais, e não apenas de cumprir o protocolo de dar sentença, já demonstra a boa vontade dessas pessoas que estão aí trabalhando. Assim que eu vi, lá em Rondônia, que as pessoas estavam tentando fazer o melhor que podiam, e, se nós podemos, eu digo, humildemente, acrescentar ferramentas que façam com que elas consigam chegar a soluções genuínas, porque eu costumo dizer, às vezes, eu dou palestras nos diversos tribunais, já fiz isso no 4º TRF, no Tribunal Federal de Porto Alegre, no Tribunal Federal de São Paulo, no Tribunal de Contagem, em Belo Horizonte, então, eu costumo iniciar minha palestra para os tribunais dizendo que uma sentença, muitas vezes, não traz paz (EDO). Assim, a partir das concepções propostas por Bert Hellinger ou aquelas replicadas por agentes transformadores, como Décio Oliveira, resta evidenciado que, ao adotar a postura sistêmica dentro do âmbito da Justiça, está se “[...] cumprindo com aquilo que o Judiciário tem que cumprir, que é funcionar como um sistema de participação social.” Para tanto, é preciso trazer um olhar diferenciado, percebendo a interação experienciada “[...] como uma oportunidade, pelo menos, mais uma oportunidade de trazer pacificação ao conflito subjacente.” (EDO). O entrevistado ainda traz, em sua fala, que: Eu posso dizer que, sem sombra de dúvidas, essa postura que nós aprendemos aqui nas constelações e que ensinamos através do curso de Justiça Sistêmica é uma dessas ferramentas simples e poderosas. Eu lembro bem, para te citar um exemplo aqui, de como é que nós criamos certos contextos sem percebermos e, quando fazemos, nós fechamos possibilidades (EDO). Com isso, a proposta para a realização do curso junto ao TJMT teve por premissa dar subsídios para que se colocasse em prática uma postura que permita, a cada um dos participantes, olhar para si e para o outro, despido de pré-conceitos. Assim, essa forma de agir pode mudar e ressignificar a vida daqueles que ali ingressam com suas demandas. Essa prática da instituição é apenas mais uma das inúmeras ações de vanguarda dentro da abordagem sistêmica, uma vez que, desde 2015, esse método tem sido reconhecido e aplicado como um meio possível de resolução de conflitos naquele âmbito (CHERULLI, 2021). Assim, agregar formações exponenciais, como a ofertada pelo IDESV, sob a regência de Décio Oliveira, apenas ratifica a postura resolutiva adotada pelo TJMT. Tais ações possibilitam que as práticas propostas pelo curso Justiça Sistêmica sejam refletidas na efetividade de sua atuação jurisdicional, atendendo aos anseios sociais por uma sociedade assentada em uma cultura de paz. Considerações Finais É possível aduzir, das falas e teorias usadas neste estudo, que, ao adotar a prática e postura do pensamento sistêmico, estruturado com base na ciência filosófica de Bert Hellinger, o familiestellen, torna-se possível compreender a real origem do conflito. Isto ocorre por meio da identificação da raiz do problema no qual se encontram os envolvidos, e, a partir disso, encontrar o melhor meio para resolver o conflito, que perpassa pela mudança da postura perante esses acontecimentos. Ademais, foi possível alcançar o objetivo proposto neste estudo, visto que, diante das falas do expert Décio Oliveira, foram apresentadas as principais concepções que integram a Justiça Sistêmica no Brasil. Tais concepções levam à compreensão de que, ao implementar tal prática no cenário jurídico nacional, é possível não só preparar as pessoas que atuam nesse contexto, como encontrar formas de reduzir as demandas que adentram no Judiciário, fazendo com que se promova uma cultura da pacificação social. Também foi possível concluir que o TJMT se mostra um órgão que permite aos seus operadores (esta autora fala com conhecimento, visto que é um deles) adotar, de forma prioritária, uma prática pautada na postura resolutiva no âmbito do estado. Com isso, é possível promover um atendimento que busca alcançar a cultura de paz, coadunando com o disposto no novo Código de Processo Civil, que dispõe, em seu artigo 3º, sobre práticas conciliatórias e mediativas como métodos a serem estimulados pelo judiciário (BRASIL, 2015). Por fim, verifica-se que, ao retratar a experiência decorrente da realização de cursos voltados para a concepção da Justiça Sistêmica no Brasil, potencializa-se a adoção de tal postura dentro do ordenamento jurídico pátrio. Além disso, possibilita-se, por seguinte, estudos voltados ao aprofundamento dentro da temática que corroborem os números já alcançados por órgãos como o TJMT e o CNJ e promovam novas discussões que contribuam na busca por contínuas soluções voltadas ao alcance da pacificação social. Referências HELLINGER, B. As Ordens do Amor.12. ed. São Paulo: Pensamento-Cultrix, 2001. HELLINGER, B. As Ordens da Ajuda. Patos de Minas, MG: Atman, 2005. HELLINGER, B. Conflito e paz: Uma Resposta. São Paulo: Cultrix, 2007. HELLINGER, B. A simetria oculta do amor. São Paulo: Pensamento-Cultrix,2008. HELLINGER, B. Leis sistêmicas na assessoria empresarial. Patos de Minas, MG: Atman, 2009. HELLINGER, B. História de sucesso na empresa e no trabalho. Belo Horizonte: Atman, 2013. HELLINGER, B. Leis Sistêmicas. Belo Horizonte: Atman, 2014. HELLINGER, B. A cura. Belo Horizonte: Atman, 2014. HELLINGER, B. A paz começa na alma. 2. ed. Belo Horizonte: Atman, 2016. OLIVEIRA JÚNIOR, D. F. Justiça Sistêmica. [e-book]. Disponível em: https://www.justicasistemica. com.br/cap-ebook-novo-olhar-para-a-resolucao-de-conflitos/. Acesso em: 15 jul. 2020. OLIVEIRA ; OLIVEIRA, W. C. G. Esclarecendo as Constelações Familiares. Belo Horizonte: Atman, 2016. OLIVEIRA ; AMBRÓSIO, J. DE M. C. Justiça sistêmica: um novo olhar para a resolução de conflitos [recurso eletrônico]. Belo Horizonte: Refinne, 2018. OLIVEIRA ; Justiça sistêmica: um novo olhar para a resolução de conflitos [recurso eletrônico]. Belo Horizonte: Refinne, 2018. ROSA, A. P. Entrevista. Direito Sistêmico e Constelação Familiar. Disponível em: http://www. cartaforense.com.br/conteudo/entrevistas/direito-sistemico-e-constelacao-familiar/16914. Acesso em: 18 ago. 2018. STORCH, S. O Direito Sistêmico. 2013. Disponível em: https://direitosistemico. wordpress.com/. Acesso em: 19 ago. 2018. STORCH, S. A origem do Direito sistêmico: pioneiro do movimento de transformação da Justiça com as Constelações Familiares. Brasília: Tagore, 2020. * Listam-se aqui, além das obras referenciadas ao longo do texto, as principais obras lidas para a construção dos saberes desta autora e do texto que se apresenta. Recebido em 12 de julho de 2022. Aceito em 20 de setembro de 2022.
Usamos cookies para personalizar conteúdos e melhorar a sua experiência. Ao navegar neste site, você concorda com a nossa Política de Privacidade.
Entendi