DIREITO SISTÊMICO: A RESOLUÇÃO DE CONFLITOS POR MEIO DA ABORDAGEM SISTÊMICA FENOMENOLÓGICA DAS CONSTELAÇÕES FAMILIARES

Por: Sami Storch

Sami Storch

Doutorando em Direito Civil (PUC-SP), Mestre em Administração Pública e Governo (EAESP-FGV/SP) e Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia - samistorch@gmail.com

Resumo: O presente artigo trata de uma nova abordagem para o tratamento dos conflitos na Justiça, denominada Direito Sistêmico, que surgiu da análise do direito sob uma ótica baseada nas ordens superiores que regem as relações humanas, segundo a ciência das constelações familiares sistêmicas desenvolvida pelo terapeuta e filósofo alemão Bert Hellinger. Trata-se de uma abordagem sistêmica e fenomenológica segundo a qual diversos tipos de problemas enfrentados por um indivíduo (como dificuldades de relacionamento, por exemplo), podem derivar de fatos graves ocorridos no passado não só do próprio indivíduo, mas também de gerações anteriores de sua família. Essa abordagem pode gerar implicações importantes na elaboração, interpretação e aplicação das leis, contribuindo para que juízes, mediadores e outros profissionais da Justiça possam se posicionar de modo a trazer maior paz às relações, bem como para que os conflitos sejam solucionados de forma mais rápida e eficaz, no sentido de conciliações verdadeiras e duradouras. O artigo apresenta alguns desses aspectos, assim como alguns resultados já observados nas experiências com a aplicação do direito sistêmico e das constelações na Justiça.

Palavras-chave: Direito sistêmico. Conciliação. Mediação de conflitos. Novos métodos de resolução de conflitos. Constelações sistêmicas. Justiça restaurativa. Visão sistêmica dos conflitos.

Introdução – As novas formas de resolução de conflitos

Há tempos se tem observado a incapacidade do Poder Judiciário de processar e julgar a crescente quantidade de ações que lhe são apresentadas, pois a estrutura de pessoal e de material existente e possível não é suficiente para tal.

Por outro lado, já é reconhecida tranquilamente, no meio jurídico e pela sociedade em geral, a necessidade de novos métodos de tratamento dos conflitos, que permitam não apenas – e não necessariamente – uma decisão judicial que estabeleça como deve ser a solução para cada conflito, dizendo a cada parte quais os respectivos direitos e obrigações, mas que efetivamente traga paz para todos os envolvidos e lhes permita manter entre si um bom relacionamento para o futuro, inclusive para tratar de forma amigável outras questões que porventura se apresentem entre as mesmas partes.

A tradicional forma de tratar os conflitos no Judiciário já não é vista como a mais eficiente, pois uma sentença de mérito, proferida pelo juiz, quase sempre gera inconformismo de uma das partes – e não raro desagrada a ambas –, em muitos casos enseja a interposição de recursos e manobras processuais ou extraprocessuais que dificultam a execução, retardando assim a efetividade da prestação jurisdicional. Como consequência, a pendência tende a se prolongar em demasia, gerando altos custos ao Estado e muita incerteza e sofrimento para as partes.

Além disso, a instrução processual tradicional tende a provocar cada vez mais o agravamento do conflito e o distanciamento entre as partes, uma vez que, muitas vezes, cada uma delas procura defender o seu direito combatendo o da outra parte ou mesmo atacando-a pessoalmente.

Tal fenômeno é ainda mais claramente visível nos conflitos de ordem familiar, que têm origem quase sempre numa história de amor (um casamento ou caso amoroso) e geralmente envolve filhos de ambas as partes. A instrução processual, nesses casos, é altamente nociva para todos os envolvidos, pois cada testemunha que depõe a favor de uma parte pode trazer à tona fatos comprometedores relativos à outra, alimentando o rancor e o ressentimento e dificultando a obtenção da paz.

Assim, mesmo depois de concluída a instrução processual, julgada a ação, esgotados os recursos e efetivada a sentença, o conflito permanece. Em muitos casos, outras ações judiciais são propostas para discutir e rediscutir os mesmos assuntos e outros subjacentes à mesma relação.

Quanto aos filhos, estes têm seu sofrimento intensificado na medida em que sentem o distanciamento de seus pais. Observa-se com frequência que crianças e adolescentes cujos pais brigam entre si na Justiça têm dificuldades nos estudos, maior propensão ao uso de drogas e tendência a receberem diagnósticos como o TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade) e depressão. Não se vê a mesma frequência entre filhos de pais separados, mas que mantém relação amigável entre si.

Nesse contexto, mostra-se cada vez mais urgente e necessária a utilização de métodos capazes de não apenas resolver os conflitos, mas de efetivamente pacificar as relações. A conciliação no âmbito judicial já se encontra instituída há bastante tempo na legislação brasileira, é largamente aplicada nas causas cíveis em geral e, com mais ênfase, naquelas relativas à Vara de Família e nas de menor complexidade, sujeitas ao rito previsto na Lei nº 9.099/ 95. Também para o tratamento relativo aos crimes de menor potencial ofensivo, a mesma lei prevê a composição civil dos danos como forma de resolver conflitos evitando-se a instauração de uma ação penal.

Mas outros métodos se fazem necessários para desafogar os tribunais e resolver os conflitos de forma consensual. Como alternativas principais, já são reconhecidas pela legislação brasileira a mediação e a arbitragem.

Em 2010, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou a Resolução nº 125/2010, que dispõe sobre a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário, reconhecendo o problema e estipulando como incumbência dos órgãos judiciários oferecer mecanismos de soluções de controvérsias, em especial os chamados meios consensuais, como a mediação e a conciliação, inclusive como forma de disseminar a cultura de pacificação social.

A mediação e a conciliação podem ser realizadas com a utilização de diversas técnicas, incluindo métodos de negociação e conhecimentos de comunicação não-violenta (ROSEMBERG, 2006).

Algumas dessas técnicas são explicadas no Manual de Mediação Judicial (AZEVEDO, 2013), publicado pelo CNJ como parte do desenvolvimento da política estabelecida pela Resolução nº 125/2010, e vêm sendo difundidas nas formações de mediadores promovidas sob supervisão do CNJ diretamente ou através dos diversos tribunais do país.

Mas o referido manual não é exaustivo. A ciência continua se desenvolvendo e encontrando novos métodos capazes de aumentar a eficácia da mediação e favorecer a obtenção da conciliação nos conflitos em diversas áreas, contribuindo para a pacificação das relações pessoais.

Em minha prática judicante, há dez anos venho utilizando técnicas de CONSTELAÇÕES FAMILIARES SISTÊMICAS e com elas obtendo bons resultados na facilitação das conciliações e na busca de soluções que tragam paz aos envolvidos nos conflitos submetidos à Justiça. Trata-se de uma abordagem fenomenológica e sistêmica, originalmente utilizada como método terapêutico pelo alemão Bert Hellinger, que a partir das constelações familiares desenvolveu uma ciência dos relacionamentos humanos, ao descobrir algumas ordens (leis sistêmicas) que regem as relações. Essa ciência foi batizada pelo seu autor com o nome de Hellinger Sciencia. O conhecimento de tais ordens (ou leis sistêmicas) nos conduz a uma nova visão a respeito do direito e de como as leis podem ser elaboradas e aplicadas de modo a trazerem paz às relações, liberando do conflito as pessoas envolvidas e facilitando uma solução harmônica.

O Direito Sistêmico: quando o reconhecimento das leis sistêmicas promove a Conciliação

A expressão “Direito Sistêmico”, termo cunhado por mim quando lancei o blog Direito Sistêmico (direitosistemico.wordpress.com), surgiu da análise do direito sob uma ótica baseada nas ordens superiores que regem as relações humanas, segundo a ciência das constelações familiares sistêmicas desenvolvida pelo terapeuta e filósofo alemão Bert Hellinger. A aplicação do direito sistêmico vem mostrando resultados interessantes na minha prática judicante em diversas áreas, notadamente na obtenção de conciliações em processos da Vara de Família e Sucessões, mesmo em casos considerados bastante difíceis, e também no tratamento de questões relativas à infância e juventude e à área criminal.

Trata-se de uma abordagem sistêmica e fenomenológica, originalmente usada como forma de terapia, segundo a qual diversos tipos de problemas enfrentados por um indivíduo (bloqueios, traumas e dificuldades de relacionamento, por exemplo), podem derivar de fatos graves ocorridos no passado não só do próprio indivíduo, mas também de sua família, em gerações anteriores, e que deixaram uma marca no sistema familiar. Mortes trágicas ou prematuras, abandonos, doenças graves, segredos, crimes, imigrações, relacionamentos desfeitos de forma “mal resolvida” e abortos são alguns dos acontecimentos que podem gerar emaranhamentos no sistema familiar, causando dificuldades em seus membros, mesmo em gerações futuras.

A abordagem sistêmica, segundo Hellinger, considera a existência de uma alma familiar que abrange todos os membros da família, que são profundamente vinculados entre si, de modo que o destino trágico de um pode afetar outros membros, inclusive com a tendência inconsciente de incorrer no mesmo destino, fazendo com que se repita a tragédia, geração após geração. Pessoas que tenham sido excluídas da família têm um peso ainda maior nesse sistema, cuja alma procura uma forma de honrar a pessoa excluída, fazendo-o através de um membro da geração posterior que, sem o saber, acaba seguindo destino semelhante.

A partir da observação fenomenológica, Hellinger percebeu a presença de leis naturais que regem os sistemas familiares e que, quando violadas, causam os tais emaranhamentos sistêmicos. A essas leis ele deu o nome de “ordens do amor”, que foram objeto de detalhamento minucioso em livro com esse mesmo nome, em que também tratou dos envolvimentos sistêmicos e suas soluções (HELLINGER, 2001).

As constelações familiares desenvolvidas por Bert Hellinger consistem em um trabalho onde pessoas são convidadas a representar membros da família de uma outra pessoa (o cliente) e, ao serem posicionadas umas em relação às outras, são tomadas por um fenômeno que as faz sentir como se fossem as próprias pessoas representadas, expressando seus sentimentos de forma impressionante, ainda que não as conheçam. Com isso, vêm à tona as dinâmicas ocultas no sistema do cliente que lhe causam os transtornos, mesmo que relativas a fatos ocorridos em gerações passadas, e pode-se propor frases e movimentos que desfaçam os emaranhamentos, restabelecendo-se a ordem, unindo os que antes foram separados e proporcionando paz a todos os membros da família.

O potencial das constelações como método de conciliação e resolução de conflitos é imenso, uma vez que estes surgem no meio de relacionamentos e, nas palavras de Bert Hellinger, “os relacionamentos tendem a ser orientados em direção a ordens ocultas. […] O uso desse método faz emergir novas possibilidades de entender o contexto dos conflitos e trazer soluções que causam alívio a todos os envolvidos”1

Assim, o direito sistêmico vê as partes em conflito como membros de um mesmo sistema, ao mesmo tempo em que vê cada uma delas vinculada a outros sistemas dos quais simultaneamente façam parte (família, categoria profissional, etnia, religião, etc.) e busca encontrar a solução que, considerando todo esse contexto, traga maior equilíbrio e paz a todo o sistema.

O mero conhecimento das ordens do amor, conforme descritas por Hellinger, permite a compreensão das dinâmicas dos conflitos e da violência de forma mais ampla, além das aparências, facilitando ao julgador e às partes em conflito adotarem, em cada caso, o posicionamento mais adequado à pacificação das relações envolvidas.

Desde o meu ingresso na magistratura, em 2006, venho utilizando a visão e a abordagem sistêmica fenomenológica para tratar as questões da Justiça, explicar sobre as ordens que regem os relacionamentos (segundo Bert Hellinger) e colocar constelações com as pessoas envolvidas, como forma de evidenciar as dinâmicas ocultas por trás das situações, trazer à tona as ordens que prejudicam e as que curam, e sensibilizar as pessoas para que se conduzam a uma solução.

Tenho feito isso em eventos coletivos, aos quais são convidadas as partes envolvidas em algumas dezenas de processos com tema em comum (por exemplo, disputas por guarda dos filhos ou alimentos; violência doméstica; jovens envolvidos com atos infracionais; etc.). Após uma palestra sobre os vínculos sistêmicos e suas consequências, fazemos uma meditação para que todos possam visualizar onde estão seus próprios emaranhamentos no passado familiar, e colocamos as constelações relativas a algumas questões familiares das pessoas presentes. Por estarem ali reunidas pessoas envolvidas em situações semelhantes, é comum que muitos se identifiquem com as questões apresentadas.

Há temas que se apresentam com frequência: como lidar com os filhos na separação, o reconhecimento do valor do ex-companheiro e pai/mãe de seu filho, as causas e soluções para a violência doméstica, alienação parental, entre outros.

Cada um dos presentes, mesmo os que se apresentavam apenas como vítimas, pode frequentemente perceber de forma vivenciada que havia algo em sua própria postura ou comportamento que, mesmo inconscientemente, estava contribuindo com a situação conflituosa.

Essa percepção, por si só, é significativa e naturalmente favorece a solução. Em ações de família, muitas vezes uma constelação simples, colocando representantes para o casal em conflito e os filhos, é suficiente para evidenciar a existência de dinâmicas como a alienação parental e o uso dos filhos como intermediários nos ataques mútuos, entre outros emaranhamentos possíveis.

Durante o trabalho de constelação, às vezes é necessário que eu tire os filhos do meio do “fogo cruzado” e peço que o homem e a mulher falem frases de reconhecimento e gratidão recíprocos. Os filhos são os que mais se sentem aliviados ao verem os pais se conciliando, porque o filho sente uma profunda conexão com cada um dos pais e é constituído por ambos. Os representantes do casal sentem um grande alívio, sentem a presença do amor que se escondia por trás da mágoa e do ressentimento. As partes, olhando para seus representantes e identificando-se com eles, sentem no coração o efeito de cada movimento, abrindo o caminho para a conciliação.

Explico, portanto, a importância de deixar o filho fora do conflito, e sugiro dizerem a ele frases como: “eu e seu pai/sua mãe temos problemas, mas isso não tem nada a ver com você; nós somos adultos e nós resolvemos”; “fique fora disso; você é só nosso filho”; “você nasceu de um momento de amor que tivemos”; “eu e seu pai/sua mãe estaremos sempre juntos em você”; “quando eu olho para você, vejo seu pai/sua mãe”.

Os representantes, ao pronunciarem as frases, sentem na própria alma o seu efeito, pois a raiva que sentiam dá lugar ao sentimento essencial de amor e de tristeza por não ter dado certo a relação, e percebem claramente o efeito libertador que as frases têm para os filhos. Da mesma forma, as pessoas que estão assistindo a constelação, identificadas com a mesma dinâmica, também sentem na própria alma os efeitos de cada frase e movimento.

Essas explicações têm se mostrado bastante eficazes na mediação de conflitos familiares e, na grande maioria dos casos, depois disso as partes reduzem suas resistências e conseguem chegar a um acordo.

Temos feito experiências também na área criminal, com o objetivo de facilitar a pacificação dos conflitos e a melhoria dos relacionamentos, incluindo réu, vítima e respectivas famílias (que muitas vezes são uma só).

Se constelamos a questão de um traficante e trazemos à tona a sua dinâmica familiar – e a participação dos pais e ancestrais na dinâmica que resultou no envolvimento do filho na criminalidade, por exemplo – isso pode tocar a alma de outras pessoas que vivenciam a mesma dinâmica (traficantes e suas famílias). O mesmo em relação aos muitos crimes derivados das brigas de casais. Neste último caso, as dinâmicas são muito semelhantes: os conflitos frequentemente se originam de questões de um (ou ambos) com sua família de origem, ou da exclusão de um ex-parceiro de algum deles, por exemplo, e contêm quase sempre elementos de alienação parental.

Independentemente da aplicação da lei penal, acredito que as constelações possam reduzir as reincidências, auxiliar o agressor a cumprir a pena de forma mais tranquila e com mais aceitação, aliviar a dor da vítima e, quem sabe, desemaranhar o sistema de modo que não seja necessário outra pessoa da família se envolver novamente em crimes, como agressor ou vítima, por força da mesma dinâmica sistêmica.

Essa abordagem pode ser utilizada como ferramenta de trabalho não apenas por juízes, mas também por mediadores, conciliadores, advogados, membros do Ministério Público e quaisquer profissionais cujo trabalho tenha como objetivo auxiliar as pessoas na solução de situações conflituosas.

Ainda não sabemos o alcance que essa nova abordagem pode ter no âmbito da Justiça, mas, com base nos resultados já observados a partir das primeiras experiências, vemos que pode ser uma contribuição para a ciência da resolução de conflitos e da pacificação das relações, com potencial para aperfeiçoar o trabalho dos profissionais que se dedicam a tal missão – e também facilitar a solução rápida de questões que atualmente, em grande parte, ainda dependem de processos judiciais longos e desgastantes para todos.

ALGUNS RESULTADOS


As técnicas aplicadas vêm auxiliando na efetivação de conciliações verdadeiras entre as partes. Durante e após o trabalho com constelações, os participantes têm demonstrado boa absorção dos assuntos tratados, um maior respeito e consideração em relação à outra parte envolvida, além da vontade de conciliar – o que se comprova também com os resultados das audiências realizadas semanas depois e com os relatos das partes e dos advogados da comarca.

A abordagem coletiva, na forma de palestras vivenciais, ocupa relativamente pouco tempo (aproximadamente 3 horas) e atinge simultaneamente as partes envolvidas em algumas dezenas de processos. Muitas delas se identificam com as dinâmicas sistêmicas familiares umas das outras e aprendem juntas a reconhecer as dinâmicas prejudiciais e aquelas que solucionam.

Posteriormente, quando da realização das audiências de conciliação, os acordos acontecem de forma rápida e até emocionante, pois os que participaram das vivências tendem a desarmar seus corações e reconhecer que, por trás das acusações e dos rancores mútuos, existe um sentimento de amor verdadeiro e a dor da frustração.

Após as audiências de conciliação, solicitamos às pessoas que respondessem questionários com perguntas sobre os efeitos percebidos a partir da palestra vivencial em relação aos relacionamentos em sua família. As respostas têm refletido, de forma nítida, os resultados mencionados. Por exemplo:

ANÁLISE ESTATÍSTICA (VARA DE FAMÍLIA):

• nas audiências efetivamente realizadas com a presença de ambas as partes, o índice de acordos foi de 100% nos processos em que ambas participaram da vivência de constelações; 93% nos processos em que uma delas participou; e 80% nos demais;
• nos casos em que ambas as partes participaram da vivência, 100% das audiências se efetivaram, todas com acordo; nos casos em que pelo menos uma das partes participou, 73% das audiências se efetivaram e 70% resultaram em acordo; nos casos em que nenhuma das partes participou, 61% das audiências se efetivaram e 48% resultaram em acordo.

Através de questionários respondidos após a audiência de conciliação pelas pessoas que participaram das vivências de constelações ao longo do 1º semestre de 2013, obtivemos as seguintes respostas:

• 59% das pessoas disseram ter percebido, desde a vivência, mudança de comportamento do pai/mãe de seu filho que melhorou o relacionamento entre as partes. Para 28,9%, a mudança foi considerável ou muita.
• 59% afirmaram que a vivência ajudou ou facilitou na obtenção do acordo para conciliação durante a audiência. Para 27%, ajudou consideravelmente. Para 20,9%, ajudou muito.
• 77% disseram que a vivência ajudou a melhorar as conversas entre os pais quanto à guarda, visitas, dinheiro e outras decisões em relação ao filho das partes. Para 41%, a ajuda foi considerável; para outros 15,5%, ajudou muito.
• 71% disseram ter havido melhora no relacionamento com o pai/mãe de seu(s) filho(s), após a vivência. Melhorou consideravelmente para 26,8% e muito para 12,2%.
• 94,5% relataram melhora no seu relacionamento com o filho. Melhorou muito para 48,8%, e consideravelmente para outras 30,4%. Somente 4 pessoas (4,8%) não notaram tal melhora.
• 76,8% notaram melhora no relacionamento do pai/mãe de seu(ua) filho(a) com ele(a). Essa melhora foi considerável em 41,5% dos casos e muita para 9,8% dos casos.
• Além disso, 55% das pessoas afirmaram que desde a vivência de constelações familiares se sentiu mais calmo para tratar do assunto; 45% disseram que diminuíram as mágoas; 33% disse que ficou mais fácil o diálogo com a outra pessoa; 36% disse que passou a respeitar mais a outra pessoa e compreender suas dificuldades; e 24% disse que a outra pessoa envolvida passou a lhe respeitar mais.

Nas entrevistas, houve diversos relatos emocionantes dando conta da melhora das relações familiares dos participantes, inclusive alguns casos em que o casal voltou a viver junto, e de modo mais feliz.

Dessa forma, as pesquisas preliminares indicam que a prática contribui não apenas para o aperfeiçoamento da Justiça, mas também para a qualidade dos relacionamentos nas famílias – que, sabendo lidar melhor com os conflitos, podem viver mais em paz e assim proporcionar um ambiente familiar melhor para o crescimento e desenvolvimento dos filhos, com respeito e consideração à importância de cada um. Consequência natural disso é a melhora nos relacionamentos em geral e a redução dos conflitos na comunidade.

O Direito Sistêmico e suas implicações sobre o direito tradicional

A abordagem sistêmica do direito (ou direito sistêmico) tem implicações importantes na forma de tratar os conflitos e as pessoas neles envolvidas, inclusive vítimas de violência, réus nas ações penais, adolescentes autores de atos infracionais e em questões relativas à guarda e adoção.

A título de exemplo, pode-se mencionar que, na abordagem sistêmica, é considerada de fundamental importância a filiação biológica, que jamais poderá ser substituída pela adotiva. Isso não significa que a adoção não pode ser benéfica, e mesmo necessária, mas sim que é fundamental para uma criança o reconhecimento – e a reverência - a cada pessoa importante em sua vida, como requisito para que tenha verdadeiro reconhecimento de seu próprio valor e possa sentir amor próprio.

As pessoas mais essenciais na vida de qualquer pessoa são, e nunca deixarão de ser, os pais biológicos, pois foram estes que lhe deram a vida, e sem eles nada mais teria qualquer sentido para essa pessoa.

Essa importância essencial dos pais não é reduzida por circunstâncias como terem morrido prematuramente, abandonado o filho, dado ele à adoção, espancado, sido presos, alcoólatras, promíscuos, psicóticos ou qualquer outra.

Seja o que tiver acontecido, negar a importância dos pais biológicos significa entender que seria melhor que o filho não existisse – pois sua existência é fruto da existência dos pais e do fato de terem procriado. Rejeitar essa importância, portanto, significa rejeitar o próprio filho.

Ora, há inúmeros casos de pais adotivos que enfrentam sérias dificuldades com os filhos adotivos. É muito comum que estes se revoltem e pratiquem atos de violência contra si mesmos ou contra os próprios pais adotivos, apesar de todo o carinho e a dedicação que costumam receber deles.

Nas constelações, podemos verificar que essas dificuldades estão em geral relacionadas à postura e ao reconhecimento dos pais adotivos em relação aos biológicos. Quando a postura é de negação (“seus verdadeiros pais somos nós; aqueles não têm valor, pois nada fizeram por você”), o filho se revolta, porque inconscientemente sente a rejeição como sendo contra si mesmo. Num nível superficial, fica com raiva dos pais biológicos, rejeita-os e assume como seus únicos pais os adotivos; mas depois se revolta contra si mesmo e contra os pais adotivos.

Quando, na constelação, incluímos representantes para os pais biológicos (mesmo que os verdadeiros já estejam mortos) e pedimos aos pais adotivos para que olhem para eles, o filho sente um grande alívio. Podemos, então, pedir que os pais adotivos digam aos biológicos: “Vocês são os pais. Graças a vocês, nós ganhamos um filho. Nós somos só os substitutos, e cuidamos dele em seu lugar”. Dizer isso é uma atitude humilde, que muitos pais adotivos não conseguem ter, por receio de apequenarem sua própria importância. Mas através dos representantes é possível experimentar o efeito dessa frase sobre cada membro do sistema.

Os pais biológicos, ao ouvirem isso, naturalmente sentem-se reconhecidos e honrados, e podem então dizer: “Nós tivemos dificuldades, estávamos envolvidos com nossos próprios problemas, e por isso não pudemos criá-lo. Que bom que vocês o fizeram. Ele está em boas mãos”.

O reconhecimento de um gera o reconhecimento do outro. E assim, quando o filho sente que os pais adotivos reconhecem e honram os pais biológicos, e que estes, por sua vez, abençoam e aprovam os pais adotivos, ele então se sente reconhecido e honrado por ser como é e por ter vivido a história que viveu. Ao invés de se sentir uma vítima, pode sentir-se afortunado por ter recebido de seus pais biológicos a vida, e dos adotivos tudo o mais que que precisou. A força, a gratidão e a alegria expressadas pelo representante do filho e os demais participantes, na constelação, confirmam o efeito benéfico e curador das frases ditas.

Nesse caso, observa-se a atuação de uma das leis sistêmicas – a da precedência (que pode ser resumida como “quem veio primeiro tem precedência sobre quem veio depois”).

Assim, no tratamento de casos de adoção, a aplicação do direito sistêmico se diferencia da abordagem tradicional e ainda vigente legalmente, segundo a qual o registro original de nascimento é substituído pelo decorrente da adoção, e nenhum reconhecimento é dado aos genitores. Um novo elemento é incorporado, como resultado da visão sistêmica.

Diversas outras leis sistêmicas vêm sendo observadas nos mais diversos tipos de relações, e as experiências com as constelações mostram resultados impressionantes não apenas no tratamento de questões familiares e de sucessão, mas também criminais e empresariais, havendo ainda um vasto campo a ser explorado quanto à aplicabilidade dessa abordagem em questões relativas a direitos difusos, ações indenizatórias, previdenciárias, falimentares, entre outras.

A pesquisa em curso

Temos procurado investigar quais as possibilidades, os potenciais e os limites da aplicação do direito sistêmico no nosso sistema jurídico e judicial, respondendo as seguintes perguntas:

• Quais as possibilidades de utilização das técnicas das constelações sistêmicas na facilitação das conciliações e na resolução de conflitos?
• Quais os efeitos da utilização dessas técnicas, em diversas áreas (família e sucessões, criminal, infância e juventude, empresarial, etc.)?
• Quais as implicações do direito sistêmico na interpretação e aplicação das leis?
• Quais as possíveis contribuições do direito sistêmico para o direito civil, penal, processual civil e processual penal? E para o sistema judicial?

A fim de responder tais perguntas, desde outubro de 2012 temos realizado os eventos no fórum com palestras vivenciais de constelações familiares, convidando, a cada vez, as pessoas envolvidas em algumas dezenas de processos versando sobre temas semelhantes (por exemplo, na área de família com o tema “A separação de casais, os filhos e o vínculo que nunca se desfaz”; na área de infância e juventude, com o tema “Adolescentes e atos infracionais – a descoberta dos vínculos sistêmicos familiares”; ou na área criminal, com o tema “A violência nas famílias – origens e soluções”.

Depois, mantemos o acompanhamento dos processos cujas partes compareceram à vivência de constelações, e oportunamente, por ocasião da audiência, fazemos estatísticas relativas aos índices de acordos realizados e renúncias às queixas e representações criminais, e aplicamos questionários onde as partes apontam em que medida a vivência as auxiliou a chegar à conciliação e a melhorar seus relacionamentos com a parte com a qual estava litigando, bem como outros impactos da prática.

Em alguns casos, temos realizado entrevistas mais detalhadas, a fim de acompanhar o desenvolvimento qualitativo das relações entre as pessoas.

Até o momento, já temos como amostra de casos em estudo cerca de 280 pessoas envolvidas em 150 processos da área de família da Vara Cível da Comarca de Castro Alves - BA e cerca de 300 pessoas envolvidas em 150 processos da Vara Criminal e de Infância e Juventude da Comarca de Amargosa - BA. Além disso, trabalhos com constelações foram realizados durante audiências concentradas em duas instituições de acolhimento de menores em situação de risco ou abandono, na Comarca de Lauro de Freitas – BA, com cerca de 20 crianças e adolescentes.

Na continuidade da pesquisa, essa amostra aumentará, assim como será possível avaliar também alguns resultados de longo prazo, como o índice de reincidência criminal e infracional, e a reiteração de queixas e ações relativas ao mesmo conflito.


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STORCH, Sami. 1ª Vivência de constelações familiares na justiça criminal. Artigo publicado no blog Direito Sistêmico em 31/01/2014. Acesso em: 22 out 2014.

STORCH, Sami. Constelações familiares na Vara de Família viabilizam acordo em 91% dos processos. Artigo publicado no blog Direito Sistêmico em 19/03/2014. Acesso em: 22 out 2014.

STORCH, Sami. Relato da primeira vivência “Adolescentes e Atos Infracionais – a descoberta dos vínculos sistêmicos familiares”. Artigo publicado no blog Direito Sistêmico em 04/06/ 2014. Acesso em: 22 out 2014.

STORCH, Sami. Direito Sistêmico: as leis sistêmicas que regem as crianças colocadas em famílias substitutas. Artigo publicado no blog Direito Sistêmico em 14/07/2014. Acesso em: 22 out 2014.


Notas__________________________________________________________________
1 HELLINGER, Bert, in FRANKE-BRYSON, Ursula, O rio nunca olha para trás. Conexão Sistêmica, São Paulo, 2013, p. 15.

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