Cartilha: CONHEÇA O DIREITO SISTÊMICO
Por: Luciano José Trindade
Por: Luciano José Trindade
Conheça o Direito Sistêmico Comissão de Direito Sistêmico CAAAC CONHEÇA O DIREITO SISTÊMICO Cartilha produzida pela comissão: Comissão de Direito Sistêmico CAAAC Gestão 2019 - 2021 COMISSÃO DE DIREITO SISTÊMICO DA OAB/AC Presidência Presidente: Luciano José Trindade, OAB/AC 2.462 Vice-presidente: Lúcio de Almeida Braga Júnior, OAB/AC 3.876 Secretária-Geral: Caroline Médici de Souza, OAB/AC 4.801 Membros Priscilla de Castro Garcia, OAB/AC 4.519 | Emilly Rocha Craveiro, OAB/AC 4.574 | Caterine Vasconcelos de Castro, OAB/AC 1.742 | Alexa Cristina Pinheiro Rocha da Silva, OAB/AC 3.224 | Maria José Maia Nascimento Postigo, OAB/AC 2.809 | Jéssica Lima Martins, OAB/AC 4.724 | Elaine Ruiz Ferreira, OAB/AC 3.954 | Helen Freitas Cavalcante, OAB/AC 3.082 | Sylmara Matos e Silva, OAB/AC 3.955 | Gisele Chaves Wainberg, OAB/AC 2.925 | Ana Cristina Graebner, OAB/AC 4.843 | Gersey Silva de Souza, OAB/AC 3.086 Diagramação e Criação Gráfica Lílhiquer Freitas Editor-Chefe Paulo Santiago Apoio Agosto de 2021 O que é Direito Sistêmico? É uma visão ampla de justiça que busca compreender a influência dos padrões sistêmicos e dos conteúdos psicoemocionais no comportamento e nas relações interpessoais, visando construir a solução mais adequada para a real pacificação do conflito. Visão sistêmica: Da natureza à sociedade Sistema é uma totalidade integrada, que se desenvolve na interação de seus elementos. Desde a antiguidade já existia uma visão sistêmica da vida, através da observação da natureza. Mas foi com a complexidade da sociedade pós-moderna que se tornou necessário maior desenvolvimento do pensamento sistêmico para compreensão da realidade. Então no Século XX diversos estudiosos contribuíram para desenvolvimento da Teoria Geral dos Sistemas, hoje aplicada tanto à natureza quanto à sociedade. Dentre outros, citam-se como exemplos Émile Durkhein, Ludwing Von Bertalanfy, Humberto Maturana, Francisco Varela, Niklas Luhmann, Edgar Morin, Fritjot Capra, Humberto Mariotti, Peter Senge, etc. No Direito, a aplicação da visão sistêmica é importante porque os conflitos sempre surgem nas relações humanas, num contexto de interdependência entre os membros de determinado sistema social. Isso significa que o conflito nunca atinge apenas duas partes isoladas e o que está em jogo nunca se resume apenas um valor financeiro. @direitosistemico_oabac | @oabacre 03 Para além dos mecanismos de Inteligência Artificial Por que é importante uma visão sistêmica e humana no Direito? A complexidade das relações exige a evolução dos meios de pacificação de conflitos e a inteligência artificial é uma realidade no Direito. Existem livros digitais, processos eletrônicos, audiências por videoconferência, plataformas e softwares jurídicos que automatizam atos, petições e decisões. O próprio STF tem o “Victor” (nome dado em homenagem ao ex-ministro Victor Nunes Leal), um sistema de inteligência artificial para classificação de documentos e automação de procedimentos repetitivos. Mesmo assim, o Sistema de Justiça não tem conseguido realizar a pacificação dos conflitos com a celeridade e a adequação necessárias. O relatório do CNJ, Justiça em Números, de 2020, apontou que existe um acúmulo de 77 milhões de processos em tramitação no Poder Judiciário brasileiro, com cerca de 30 milhões de processos novos por ano. E até quando os processos são julgados geralmente não há real pacificação, pois as verdadeiras causas do conflito não são vistas. Assim, tanto as partes quanto os profissionais do Direito ficam insatisfeitos. Isso ocorre porque a visão tradicional do Direito está limitada à lógica binária “certo x errado”, que busca enquadrar toda realidade nas normas jurídicas vigentes, excluindo tudo o que não está expressamente definido na legislação. @direitosistemico_oabac | @oabacre 04 Numa lógica reducionista “ganha x perde”, cada parte se esforça para apontar o erro e a culpa da outra. Então o processo se torna palco de acusações recíprocas que intensificam o conflito e ninguém assume a sua própria responsabilidade. Esse cenário demonstra que a inteligência artificial e a visão cartesiana não são suficientes para compreensão da complexidade das relações humanas e a pacificação dos conflitos interpessoais, sendo necessária uma visão sistêmica e humana capaz de compreender as dinâmicas do conflito, pois suas verdadeiras causas são os desequilíbrios sistêmicos, os padrões defasados de comportamento mantidos por lealdades intergeracionais, as necessidades humanas não reconhecidas, os sentimentos silenciados, as memórias traumáticas conscientes ou inconscientes, enfim, valores imateriais que muitas vezes sequer podem ser quantificados economicamente. Logo, para construir uma solução eficaz e adequada para o conflito é necessária uma visão sistêmica que seja capaz de ver cada uma das partes no seu contexto sistêmico familiar, social e cultural, permitindo aos litigantes a compreensão de seus vínculos sistêmicos, de seus conteúdos psicoemocionais e de seus condicionamentos comportamentais. Para tanto, a atuação sistêmica do profissional do Direito (seja juiz, advogado ou colaborador) é aquela que se coloca à disposição para auxiliar a parte ou cliente na compreensão das reais causas, dinâmicas e efeitos do conflito. E isso pode ser feito através das capacidades conferidas pelo pensamento sistêmico e pelas múltiplas metodologias sistêmicas, integrativas e restaurativas, tais como a comunicação não violenta, a constelação familiar, as práticas colaborativas, a justiça restaurativa, os círculos de construção da paz, a programação neurolinguística, o psicodrama, as perguntas circulares, etc. Contribuições para a aplicação da visão sistêmica na solução de conflitos Registros antropológicos revelam que os povos nativos conviviam e tratavam seus conflitos de forma sistêmica. Os antigos do Oriente, da Africa, da Oceania e das Américas eram integrados a seus sistemas comunitários e cada indivíduo se percebia como membro indissociado do clã. Uma visão bem representada pela filosofia africana Ubuntu: eu existo porque nós existimos. @direitosistemico_oabac | @oabacre 06 Rui Barbosa, advogado, abolicionista e intelectual, em 1907 representou o Brasil na Conferência da Paz de Haia, com notãvel desempenho na defesa do principio da igualdade das nações; Nelson Mandela, advogado e líder político que lutou contra o apartheid, disse, “se você quer fazer as pazes com seu inimigo, você tem que trabalhar com ele. Em seguida, ele irá tornar-se seu parceiro”; Sobral Pinto, advogado defensor dos Direitos Humanos, dizia que “devemos odiar o crime, mas amar o criminoso”; Frank Sander, advogado ideólogo do Sistema Multiportas (Multidoor CouÊhouse System); Stuart Webb, advogado criador das Prãticas Colaborativas (Collaborative Practices); Marshal Rosenberg, psicólogo criador do método de pacificação pela Comunicação não Violenta; Barry StuaÊ, juiz considerado o criador dos Círculos de Construção da Paz; Kay Pranis, referência internacional em Justiça Restaurativa e Círculos de Construção de Paz; Pedro Scuro Neto, sociólogo e jurista, trouxe para o Brasil a Justiça Restaurativa; Leoberto Brancher, desembargador do TJRS, pioneiro na implantação da Justiça Restaurativa no Poder Judiciãrio brasileiro; Sami Storch, juiz do TJBA, pioneiro na utilização da constelação familiar como facilitação de conciliações em processos ju ais e na difusão da terminologia “Direito Sistêmico', Olivia Fürst, advogada, em 2013 venceu o prêmio Innovare na categoria Advocacia com as Prãticas Colaborativas; Eunice Schlieck, advogada, presidente da 1a Comissão de Direito Sistêmico criada no Sistema OAB, Seccional de Santa Catarina. O desenvolvimento do Direito Sistêmico no Brasil @direitosistemico_oabac | @oabacre 08 O equilíbrio, ou dar e receber, diz respeito às trocas que fortalecem as relações. Devem ser equilibradas e produtivas para que cada um se conecte com seu autovalor no sistema. O desequilíbrio ocorre quando alguém necessita dar mais do que dispõe ou exige receber mais do que necessita. Daí a relação tende a se enfraquecer. O êxito das práticas sistêmicas na pacificação social foi oficialmente reconhecido pelo CNJ através da Resolução 125/2010, que criou a política nacional de tratamento adequado de conflitos. Desde então, cada vez mais profissionais do Direito buscam atuar de forma sistêmica, capacitando-se através de metodologias como a constelação familiar, a comunicação não violenta, os círculos de construção da paz, a PNL, o psicodrama, as perguntas circulares, etc. Dia a dia aumentam os juízes, advogados, defensores e promotores interessados em ampliar o conhecimento sobre metodologias sistêmicas e aplicá-las nas suas atividades profissionais, sejam judiciais ou extrajudiciais. No âmbito do Poder Judiciário, em 22 Tribunais de Justiça já foram desenvolvidos projetos e trabalhos sistêmicos (TJAC, TJAP, TJPA, TJMT, TJMS, TJRO, TJCE, TJRO, TJRN, TJPE, TJAL, TJSE, TJBA, TJGO, TJDF, TJRJ, TJSP, TJPR, TJSC, TJRS e TJMG). E no Sistema da Ordem dos Advogados do Brasil foi criada a Comissão de Direito Sistêmico do CFOAB (nacional), bem como as Comissões de Direito Sistêmico das seccionais OAB/SC, OAB/SP, OAB/MG, OAB/CE, OAB/MS, OAB/PR, OAB/PE, OAB/AL, OAB/DF, OAB/BA, OAB/MT, OAB/AC, OAB/AM, OAB/TO, além de mais de 100 comissões subseccionais em diversos estados. O próprio ensino jurídico começa a abrir portas para a inclusão da disciplina Direito Sistêmico e suas práticas na grade curricular dos cursos de graduação em Direito. Estamos num momento de afirmação teórica e expansão prática do Direito Sistêmico. Nosso desafio é ampliar a percepção dos profissionais das diversas áreas jurídicas para as novas possibilidades que as metodologias sistêmicas proporcionam à pacificação dos conflitos. @direitosistemico_oabac | @oabacre Contribuições da visão sistêmica no Direito A visão sistêmica de justiça e a prática de suas metodologias no Direito tem propiciado diversos avanços na real compreensão e pacificação dos conflitos, citando-se como exemplos: - O reconhecimento da afetividade como princípio constitucional implícito; - A ampliação do conceito de família (multiparentalidade, monoparentalidade, relações homoafetivas, pais socioafetivos, a união estável, etc.); - O registro concomitante dos vínculos biológico e socioafetivo (STF: Tema 622, RE 898.060/SC e Lei nº 11.924/09); - A orientação aos pais para atribuírem nome ao filho natimorto (Provimento 30/2019 da Corregedoria Geral de Justiça de Goiás); - A Resolução CNJ 125/2010 (Política Nacional de Tratamento Adequado aos Conflitos); - O princípio da colaboração e o estímulo da solução consensual de conflitos no CPC; - A diminuição do percentual de cerca de 60% para menos de 10% da reincidência de infrações de menores e adultos que participam de grupos reflexivos de práticas sistêmicas; - A inclusão na Lei Maria da Penha da obrigatoriedade do comparecimento do agressor a programas de reeducação e de reabilitação e o acompanhamento psicossocial de apoio (Lei 13.984 de 3 de abril de 2020). @direitosistemico_oabac | @oabacre 10 A postura sistêmica do profissional do Direito Sistêmico Sabemos que a formação jurídica tradicional é voltada para o conflito e a aplicação cartesiano-mecanicista da legislação. Dessa forma os profissionais do direito são treinados para o litígio e dificilmente percebem que eles próprios, muitas vezes, atuam condicionados por seus sistemas de origem. Geralmente o cliente apresenta o conflito com toda intensidade emocional e o advogado narra de forma parcial e sem qualquer filtro ao juiz. Por outro lado, o juiz não percebe que habitualmente decide conforme seu próprio contexto. Por exemplo: se já sofreu atos de violência, será mais rígido, mas se conviveu com comunidades carentes, será mais garantista. A visão binária, mecanicista e limitada do direito não possibilita aos juristas a abertura das janelas necessárias para que as partes percebam as reais causas dos seus conflitos. Deve-se compreender que o conflito é das partes e que só haverá real pacificação se elas se responsabilizarem pela construção da solução. Quando um advogado ou juiz sai do papel de auxiliar, no fundo está deixando de ver as partes e se colocando acima delas. Essa visão apequena as pessoas e as torna fracas, dependentes e incapazes de acessar a própria força e construir seu caminho. Na visão sistêmica, o ser humano se constrói no seu caminhar, com todos os seus desafios e suas recompensas. Cada pessoa, em seu contexto, deve saber o que realmente faz sentido na sua vida, o que é melhor para si e que decisões deve tomar. Ao profissional do Direito, muitas vezes basta ouvir com empatia, ou então apoiar, acompanhar e orientar para que a parte possa se conectar com seu autovalor e manifestar seu real interesse. Esse é o papel e o lugar do profissional do Direito com visão sistêmica. Daí a importância de buscar conhecimentos teóricos e práticos que possibilitem uma postura sistêmica diante do comportamento individual e das relações humanas. @direitosistemico_oabac | @oabacre 11 Como praticar a Advocacia Sistêmica Para praticar o Direito Sistêmico o advogado deve desenvolver uma postura sistêmica na sua atuação profissional, que compreende diversas capacidades e habilidades, tais como: 1. Ter autoconsciência dos seus próprios conteúdos psicoemocionais, conflitos interpessoais e padrões sistêmicos, a fim de não confundir com os do cliente; 2. Permanecer no lugar colaborativo, exercendo a função de auxiliar o cliente a ampliar sua visão sobre as causas, dinâmicas e consequências do conflito; 3. Respeitar as escolhas do cliente, permanecendo disponível para orientá-lo quanto à sua responsabilidade na resolução do conflito, seja de forma consensual ou adversarial; 4. Ter empatia sistêmica por ambas as partes, ou seja, ver cada uma no seu contexto, sem julgamento moral ou ideias preconcebidas; 5. Observar os fatos e identificar sua ligação com causas ocultas (traumas psicoemocionais ou padrões sistêmicos); 6. Identificar as emoções, as necessidades e as dinâmicas do triângulo dramático (vítima, perseguidor, salvador); 7. Perceber a interdependência e corresponsabilidade das partes; 8. Compreender que a real solução do conflito está relacionada com a capacidade de cada parte para lidar com suas dificuldades; 9. Não ver o conflito como um mal em si, mas como oportunidade de perceber mudanças necessárias; 10. Fazer perguntas circulares e sistêmicas que facilitem a reflexão e a percepção do contexto sistêmico, da interdependência dos vínculos, das conexões pessoais, das necessidades, dos sentimentos e das responsabilidades de cada parte no conflito e na sua solução. O aperfeiçoamento profissional com essas capacidades e habilidades pode ser alcançado através do estudo e da prática de diversas metodologias e técnicas sistêmicas, integrativas e restaurativas, tais como a constelação familiar, a comunicação não violenta, a PNL, o psicodrama, a escuta empática, as perguntas circulares, os círculos de construção da paz, etc. As quais facilitam a prática do Direito Sistêmico tanto no contexto judicial quanto extrajudicial. @direitosistemico_oabac | @oabacre 12 No Poder Judiciário, a prática do Direito Sistêmico contribui tanto para facilitar acordos de mediação ou conciliação, quanto para o cumprimento das decisões e a pacificação, pois as partes se tornam conscientes de sua própria responsabilidade no conflito. E no âmbito extrajudicial, a advocacia sistêmica favorece a consensualidade desenvolvida através das práticas colaborativas e dos MASC’s. O advogado sistêmico compreende que a jurisdição é apenas uma possibilidade, pois nem sempre o conflito precisa ser resolvido através de medidas judiciais, de provas, de audiências, de recursos e de anos de processo litigioso. Muitas vezes a melhor e mais adequada solução é apenas ouvir/dialogar/fazer boas perguntas para ampliar a visão e incluir o que foi excluído, colocar em ordem o que está em desordem ou equilibrar o que está desequilibrado. E isso tudo quem faz é o próprio cliente, com seu apoio e auxílio. Enfim, o advogado sistêmico não intensifica o conflito nem busca fidelizar o cliente ou impedir que ele próprio encontre a solução. @direitosistemico_oabac | @oabacre 13 A comunicação e o atendimento do cliente @direitosistemico_oabac | @oabacre 14 Comunicação não verbal: A neurociência comprova que nossa comunicação verbal e racional é limitada. As palavras são responsáveis por apenas 7% daquilo que é comunicado. Já a comunicação não verbal e emocional é a que de fato causa maior impacto, pois é responsável por 93% daquilo que é comunicado. Nesse sentido, o advogado sistêmico deve estar atento à carga emocional da comunicação, a qual pode ser percebida em aspectos como a entonação, a velocidade e o volume da fala, as expressões faciais e as posturas corporais. O cliente verbaliza o conflito numa fala carregada de emoções e julgamentos subjetivos. Se o advogado buscar a solução baseada apenas nessa comunicação verbal, dificilmente contribuirá para a pacificação. É na comunicação não verbal que o advogado poderá perceber as emoções dolorosas de raiva, medo, tristeza ou vergonha decorrentes de necessidades fundamentais não satisfeitas, tais como reconhecimento, valorização, segurança, liberdade, empatia, pertencimento, etc. Se estiver preparado e compreender isso, o advogado estará muito mais próximo de auxiliar o cliente a alcançar a solução mais adequada para a sua real satisfação. A arte de perguntar e de escutar: Para compreensão das verdadeiras causas do conflito é fundamental que o advogado esteja capacitado a formular perguntas circulares e a escutar com empatia, permitindo ao cliente a expressão de suas reais necessidades e sentimentos. São exemplos dessas perguntas: @direitosistemico_oabac | @oabacre 15 - Que memórias ou acontecimentos estão correlacionados a esse conflito? - O que você pensou e sentiu quanto o fato aconteceu? - Que emoções afloram nesse conflito? - Quais necessidades suas não foram ou não estão sendo satisfeitas? - O que não faz mais sentido e ainda está presente gerando esse conflito? - Quem mais é afetado pelo conflito? - O que solucionaria o conflito se fosse reconhecido? - O que ou quem está sendo excluído? - O que ou quem está fora de ordem, função ou papel? - Que desequilíbrio pode estar fazendo alguém dar mais do que pode ou receber mais do que necessita? Direito sistêmico e a política nacional de meios adequados de solução de conflitos Existem 2 modelos de resolução pacífica dos conflitos: o consensual e o adversarial. No CONSENSUAL (ou autocompositivo) as próprias partes constroem a solução, com ou sem auxílio de um terceiro. São exemplos do modelo consensual a negociação, a mediação, a conciliação e a justiça restaurativa. @direitosistemico_oabac | @oabacre 16 Já no ADVERSARIAL (ou heterocompositivo), as partes delegam a um terceiro a função de decidir sobre a disputa. São exemplos do modelo adversarial a jurisdição exercida pelo Poder Judiciário e a arbitragem. Mas a partir da Resolução CNJ n°. 125/2010, a consensualidade se tornou politica pública no Brasil. Em 2015, o atual Código de Processo Civil foi aprovado com o objetivo de propiciar a real resolução dos conflitos, adotando o princípio da colaboração e o estímulo da conciliação, da mediação e de outros métodos de solução consensual de conflitos. Também de 2015, a Lei de Mediação (13.140/2015) que trouxe os princípios, a estrutura e os procedimentos da resolução consensual de controvérsias pela mediação, aplicáveis tanto aos particulares, quanto à Administração Pública. No âmbito da advocacia, o Código de Ética e Disciplina da OAB estabelece o dever do advogado com a prevenção de litígios e sua resolução consensual, garantindo-lhe o direito aos honorários contratados caso haja solução extrajudicial do litígio. Essas mudanças legislativas visam incentivar a utilização dos chamados Meios Adequados de Solução de Conflitos (MASC's), sendo que o próprio Poder Judiciário passou a contar com estrutura voltada para resolução consensual de con€itos, através de Núcleos Permanentes de Métodos Consensuais de Solução de Con€itos (NUPEMEC's) e aos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSC's). O Direito Sistêmico e os meios de consensualidade para resolução de conflitos se alinham na medida em que ambos buscam construir a solução mais adequada através da identificação das verdadeiras necessidades e dos reais interesses das partes, que muitas vezes não são financeiras e sim de valor imaterial, como bem expôs o professor Pablo Stolze: “juiz nenhum, sentença alguma será mais justa que a concórdia obtida numa audiência de conciliação. Pois quando as paNes se perdoam, a vitória obtida supera os limites do processo. Alcança o poNão da ALMA”. Exemplos de casos práticos da advocacia sistêmica @direitosistemico_oabac | @oabacre 18 PATERNIDADE E ALIMENTOS: após o divórcio, a mulher executou alimentos que o ex-marido deixou de pagar ao filho; ex-marido alegou que tinha dúvidas se o filho era seu, pois antes da mulher engravidar estiveram separados por alguns meses e Iogo quando voltaram ela estava grãvida; mulher aceitou fazer o exame judicial de DNA, que comprovou que de fato o filho era de outro homem; então a mulher pediu a anulação da obrigação de alimentos e o encerramento do processo judicial, mas dai o ex-marido não concordou, alegando que tinha afeto pela criança e queria cuidar dela. O caso foi encaminhado ao Centro Judiciãrio de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSC), onde foi realizada uma dinâmica de constelação familiar, na qual vieram à tona informações e traumas emocionais de um aborto ocorrido antes das partes se casarem. Ambos perceberam que o sentimento inconsciente de culpa foi a causa dos conflitos no relacionamento e do divórcio. Era também a razão para o ex-marido querer cuidar do filho que não era seu. Com essa nova consciência, as partes puderam reconhecer que ambos passaram por dificuldades e firmaram o acordo adequado para encerrar o conflito, cada um seguindo seu caminho. CONFLITO ENTRE HERDEIROS: advogado sistêmico foi procurado por cliente (inventariante) para representar o Espólio em processo judicial. O cliente era o irmão mais velho e estava em conflito com os demais irmãos sobre a paÊilha dos bens entre os herdeiros. Buscando compreender sistemicamente o conflito, o advogado percebeu que o cliente inexplicavelmente tinha receio que os irmãos perdessem seu patrimônio após a paÊilha. Então o advogado perguntou, “com quem ele ia se parecer menos se deixasse os irmãos receberem o patrimônio que Ihes é devido?". O cliente respondeu que deixaria de se parecer com seu pai. Então o cliente contou que seus avós paternos faleceram quando seu pai e seu tio eram jovens. Enquanto seu pai seguiu trabalhando e progredindo, o tio se envolveu com farras e bebida, até perder o que tinha e morrer. Naquele momento o cliente compreendeu que seu pai sentia culpa inconsciente por ter tido êxito enquanto seu irmão se perdeu. E agora era ele que estava assumindo o Iugar do pai, tentando evitar a culpa que o pai sentiu, por isso se colocava acima dos outros irmãos e resistia a fazer a partilha. Após essa compreensão, o advogado e o cliente marcaram uma reunião com os outros irmãos. No encontro o cliente reconheceu que era apenas um irmão e todos tinham o mesmo eito. Assim acertaram os detalhes da paÊilha, que Iogo foi homologada e o processo judicial encerrado. VÍNCULO EMPREGATÍCIO x NECESSIDADE DE RECONHECIMENTO E CONTRIBUIÇAO: advogado ajuizou ação para reconhecimento de vínculo empregatício do cliente, com pedido de verbas rescisórias e dano moral por demissão sem justa causa. O Reclamado negou o vínculo empregatício, alegando que o reclamante era vendedor autônomo. Na instrução, tanto o juiz quanto os advogados adotaram uma postura sistêmica, fazendo perguntas circulares e exploratórias sobre a relação entre as partes e os ganhos mútuos que obtiveram. O Reclamante não se conformava por ter sido o primeiro vendedor da empresa, quem a inseriu no mercado e treinou os novos vendedores, mas foi dispensado por recado” enviado por terceiro. Mesmo assim, reconheceu que a relação com a empresa foi importante para formar e ampliar sua própria carteira de clientes. Jã o Reclamado reconheceu o pioneirismo e a importância do Reclamante para o sucesso da empresa. Diante disso, com o atendimento da verdadeira necessidade do Reclamante que era o reconhecimento da importância de sua contribuição no crescimento da empresa, as partes firmaram acordo para recebimento integral das últimas comissões de vendas, sem reconhecimento de vínculo empregatício. Comissão de Direito Sistêmico CAAAC
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