Breves apontamentos sobre a aplicação sistêmica do Direito pela Defensoria Pública das Comarcas de Rio Negro-MS e Joinville-SC
Por: Ana Carolina Freitas Marques
Por: Ana Carolina Freitas Marques
Breves apontamentos sobre a aplicação sistêmica do Direito pela Defensoria Pública das Comarcas de Rio Negro-MS e Joinville-SC Ana Carolina Freitas Marques RESUMO O presente artigo inicia-se com uma breve apresentação das Constelações Familiares e das Ordens do Amor de Bert Hellinger e sua aplicação no Direito, dando origem assim ao termo Direito Sistêmico. Em seguida, dispõe sobre a aplicação do Direito Sistêmico no âmbito da Defensoria Pública e seu impacto positivo na solução extrajudiciais do s conflitos, bem como na melhoria do atendimento aos assistidos. Trabalha-se, assim, de forma dedutiva e com pesquisa bibliográfica, trazendo exemplos de posturas sistêmicas adotadas por defensores e servidores públicos da defensoria das comarcas de Rio Negro-MS e Joinville-SC. Palavras-Chave: Constelações Familiares. Direito Sistêmico. DefensoriaPública ABSTRACT This article begins with a brief presentation of Bert Hellinger's Family Constellations and their application in Law, giving rise to the term Systemic Law. Then, it provides for the application of systemic law within the scope of the Public Defender's Office and its positive impact on the extrajudicial solution of conflicts, as well as on the improvement of assistance to those assisted. It works in a deductive way and with bibliographic research, bringing examples of systemic postures adopted by defenders and public servants of the judicial district of Rio Negro-Ms and Joinville-SC. Keywords: Family Constellations. Systemic Law. Publicdefense. SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO 3 2. CONSTELAÇÕES FAMILIARES E DIREITO SISTÊMICO: BREVES CONSIDERAÇÕES 3 3. APLICAÇÃO SISTÊMICA DO DIREITO PELA DEFENSORIA PÚBLICA DE RIO NEGRO-MS 5 3.1 A POSTURA NOS ATENDIMENTOS 7 4. A APLICAÇÃO SISTÊMICA DO DIREITO PELA DEFENSORIA PÚBLICA DA COMARCA DE JOINVILLE-SC 9 5. CONCLUSÃO: DO MEU LUGAR - COMO DEFENSORA- TENHO FORÇA 12 6. REFERÊNCIAS 13 1. INTRODUÇÃO O Direito Sistêmico surgiu da análise realizada pelo magistrado brasileiro Sami Storch acerca do direito sob uma ótica baseada nas ordens superiores que regem as relações humanas, segundo a ciência das constelações sistêmicas desenvolvida pelo terapeuta e filósofo alemão Bert Hellinger (STORCH, 2020). Nesse sentido, não busca inaugurar um novo ramo do direito, mas sim lançar um novo olhar sobre a prática jurídica na resolução dos conflitos baseando-se nas Ordens do Amor, as quais falaremos mais adiante. O mero conhecimento das Ordens do Amor, permite compreensão das dinâmicas dos conflitos e da violência mais ampla, além das aparências, facilitando ao julgador, defensor, promotor, servidor de maneira geral, adotar em cada caso, o posicionamento mais adequado à pacificação das relações envolvidas. A Defensoria Pública é uma instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbida na missão de prestar assistência jurídica integral e gratuita aos hipossuficientes na forma da lei.Acompanhando o movimento da justiça brasileira como um todo no sentido de aderir a novas técnicas de resolução extrajudiciais de conflitos(STORCH, 2020), vêm incorporando práticas sistêmicas, as quais serão abordadas no decorrer deste artigo em duas comarcas brasileiras: Rio Negro-MS e Joinville-SC. Dessa forma, será demonstrado através de posturas sistêmicas como uma escuta ativa nos atendimentos, utilização de frases sistêmicas pelas partes e nas petições, o posicionamento de forma correta enquanto ajudante, dentre outros exemplos, caracterizam a aplicação sistêmica do direito pela defensoria pública. 2. CONSTELAÇÕES FAMILIARES E DIREITO SISTÊMICO: BREVES CONSIDERAÇÕES Bert Hellinger, psicanalista, filósofo, teólogo, pedagogo, terapeuta corporal e familiar, desenvolveu um campo de estudo chamado de HellingerSciencia, no qual através de uma abordagem sistêmica e fenomelógica, compreende cada indivíduo como pertencente de um grande sistema, onde existe um processo de compensação de leis naturais, as quais abordaremos mais adiante, que influenciam a vida e a decisão de todos os membros desse sistema. (HELLINGER, 2015). Hellinger utilizou de uma diversidade de saberes da filosofia, teologia, cultura zulu, pedagogia, teorias e métodos terapêuticos, bem como toda a base construída sobre pensamento sistêmico para elaborar uma nova abordagem da psicoterapia sistêmica, o que conhecemos hoje como Constelações Familiares Sistêmicas, que culminou na criação das "Ordens do Amor", compostas por três Leis: Pertencimento, Hierarquia e Equilíbrio de Troca. Essas leis são como as leis da física, cuja existência e influência ocorrem independentemente da nossa consciência acerca delas ou da nossa vontade (HELLINGER, 2015). A primeira Ordem do Amor é o pertencimento. Refere-se à identificação da pessoa e da participação no sistema. Segundo ela, todos os membros de um sistema devem pertencer, independentes de estarem vivos ou não. Se há a exclusão de algum membro, haverá a necessidade de restabelecimento da completude. A Segundo Ordem do Amor é a lei da hierarquia. Refere-se a precedência, em relação ao respeito à ordem de chegada no sistema. Segundo essa ordem, os membros que vieram antes têm precedência em relação àqueles que vieram depois. A hierarquia é desrespeitada quando por exemplo os filhos julgam saberem mais que seus pais. Por último, a lei do Equilíbrio (compensação). Refere-se à dedicação que as pessoas devem trocar entre si. Esta ordem prevê que as relações são regidas pelo dar e tomar. Quando recebemos algo, sentimos a necessidade de retribuir, e, uma vez fazendo, sentimo-nos aliviados. Esse equilíbrio, porém, só pode ser buscado entre pessoas de um mesmo nível hierárquico. Quando voltado a relação entre pais e filhos, nunca haverá a compensação, pois os pais deram a vida, e os filhos nunca poderão retribuir o que tomarão. Sendo assim, os filhos devem prosseguir o fluxo natural, passando para a próxima geração o que tomaram. Quando ocorre um desequilíbrio desse sistema, que seria a violação a uma dessas leis, surge um mecanismo de compensação que irá atuar nos membros pertencentes a este sistema. Essas compensações podem vir à tona na forma de depressões, doenças, problemas nos relacionamentos, dificuldades financeiras etc. (ROSA, 2014). Dado o exposto, o Direito Sistêmico surge com a aplicação das Ordens de Amor, juntamente com as práticas sistêmicas, dentre elas, as constelações familiares, no seio jurídico. Difundido pelo juiz brasileiro Sami Storch, o qual não inaugura um novo ramo do Direito, mas sim uma nova forma de aplicar o Direito já existente, através da Filosofia Hellingeriana. É preciso realizar a ponderação de que a associação de Direito Sistêmico com a aplicação das Constelações Familiares, no primeiro momento, é normal, pois este foi o termo utilizado por Storch quando da utilização desta técnica nas varas de família do judiciário da Bahia. Entretanto, a Constelação familiar é apenas mais um instrumento que poderá ser utilizado para ajudar a dirimir os conflitos apresentados. Em entrevista para o 1° Congresso Internacional HellingerSchule: o DNA das constelações familiares(STORCH, 2020), Storch esclarece que as constelações familiares, assim como o Direito, são uma ciência dos relacionamentos. As leis sistêmicas descobertas por Bert Hellinger trazem uma luz nova de compreensão para o Direito, podendo auxiliar na criação, interpretação e aplicação das leis, pois, estando em conformidade com as Ordens de Amor, o fluxo será a ordem nos relacionamentos. Sendo assim, é uma ferramenta de extrema importância para os profissionais do Direito, sejam advogados, juízes, promotores, defensores, psicólogos atuantes na mediação, e todos que se dedicam a resolução de conflitos de uma maneira geral, pois, permite que as raízes do conflito venha a tona, localizando o ponto da desordem, que, muitas vezes, não se encontra nas pessoas do conflito, mas se manifesta em causas sistêmicas de emaranhamentos de outros membros do sistema familiar. Sobre Direito Sistêmico, Shirlei Silmara de Mello cita Amilton Plácido da Rosa, em entrevista à Carta Forense, esclarece: “O Direito Sistêmico é, antes de tudo, uma postura. É uma nova forma de viver e de se fazer justiça, buscando o equilíbrio entre o dar e receber, de modo a trazer paz para os envolvidos em um conflito. O Direito Sistêmico, em termos técnico- científicos, é um método sistêmico-fenomenológico de solução de conflitos, com viés terapêutico, que tem por escopo conciliar, profunda e definitivamente, as partes, em nível anímico, mediante o conhecimento e a compreensão das causas ocultas geradoras das desavenças, resultando daí a paz e equilíbrio para os sistemas envolvidos. Ele tem como fundamento e origem a Constelação Familiar do psicoterapeuta, filósofo e pedagogo alemão Bert Hellinger, cuja base científica-filosófica é a experimentação no campo da abordagem sistêmico-fenomenológica, por meio das representações, onde, para solucionar uma questão, observa-se como os princípios e leis sistêmicas (necessidade de pertencimento, de compensação e de hierarquia) atuaram e atuam no sistema de partes.” (MELLO, 2019, p. 34) Dado exposto, faremos um recorte em específico da aplicação do Direito Sistêmico no âmbito da defensoria pública no Brasil, trazendo de maneira geral posturas e dinâmicas entre os assistidos, e casos específicos de defensorias. 3. APLICAÇÃO SISTÊMICA DO DIREITO PELA DEFENSORIA PÚBLICA DE RIO NEGRO-MS Sendo levados em grande parte pelo movimento iniciado pelo Poder Judiciário, as Defensorias e Defensores públicos têm acompanhado os avanços proporcionados pelas constelações familiares na solução de demandas que muitas vezes demandariam anos para serem resolvidas (AZUL, 2019). Inicialmente, sobre o arcabouço legal concernente ao papel da Defensoria, temos uma abertura para admitir novos olhares sobre o conflito, como exemplo das constelações familiares. A partir do que preconiza o art. 4°, II da Lei Complementar Federal 80/1994 que dispõe competir a Defensoria Pública "promover, prioritariamente, a solução extrajudicial dos litígios", e inciso IV que delineia ser como função institucional da Defensoria Pública a "promoção prioritária da solução extrajudicial dos litígios, visando a composição entre as pessoas em conflito de interesses, por meio da mediação, conciliação, arbitragem e demais técnicas de composição e administração de conflitos". A defensoria pública aplicará o Direito Sistêmico se orient ando pela postura no atendimento de forma sistêmica aos assistidos, promovendo pequenas reflexões e assumindo posturas as quais falaremos adiante, convidando o assistido a pensar sobre o conflito que o levou à Defensoria, e aos poucos guiando o raciocínio à temática sistêmico-familiar, esclarecendo que aquele problema pode ser um aceno para compreender os emaranhamentos oriundos do próprio sistema familiar (AZUL, 2019). Dessa forma, independentemente do cargo de defensor público, todos os profissionais que atuam da Defensoria podem atuar de forma sistêmica através de suas posturas e práticas à luz das ordens do amor, promovendo muito mais que uma homologação de transação extrajudicial, mas também uma convivência mais pacífica e consequentemente uma melhora na qualidade de vida dos envolvidos (AZUL, 2019). As práticas sistêmicas têm sido aos poucos implementadas pela Defensoria Pública da comarca de Rio Negro-MS, se externam com a adoção de uma postura e frases sistêmicas utilizadas em petições, tais como "Faço minha parte e deixo a sua com você"; "Sou grato por tudo o que vivemos". Percebe-se que tais frases, em acordos e até petições, têm sido menos objeto de cumprimento de sentença e revisão do que as que não constam (AZUL, 2019). A partir de uma amostragem de 44 acordos feitos, das mais diversas searas, no período de agosto de 2018 a maio de 2019, observou-se que aqueles que as frases constaram nas petições e foram ditas para as partes não houve nenhuma propositura de cumprimento de sentença ou revisão posteriormente. Enquanto no mesmo período, os acordos que não possuíam as frases sistêmicas, nem estas foram ditas para as partes, tiveram descumprimento cerca de 11% (AZUL, 2019). No atendimento de um divórcio consensual, por exemplo, após a assinatura do termo, é normalmente falado para o ex casal que, embora a relação jurídica esteja se encerrando naquele momento, e que apesar de não tiverem dado certo, construíram juntos filhos maravilhosos, porque foi com aquele pai e aquela mãe. O efeito dessa fala é imediato, pois por mais desentendimentos que ocorreram até ali, eles saem deixando a sala de uma forma mais harmoniosa. Da mesma forma, para casais que não tiveram filhos, ao mencionar o aprendizado que ambos tiveram com aquela relação, além dos momentos felize s que já tiveram, o efeito também é positivo (AZUL, 2019). 3.1 A POSTURA NOS ATENDIMENTOS É muito comum que na Defensoria Pública ocorram projeções e transferências entre assistidos e ajudantes. Isso porque, segundo o livro "Ordens da ajuda" de Bert Hellinger, muitos ajudantes costumam se colocar perante aqueles a quem ajudam como pais, e os assistidos se posicionam como filhos daqueles a quem pedem ajuda (AZUL, 2019). Hellinger ensina que a primeira coisa a se fazer nos casos de transferência é o ajudant e dar ao assistido um lugar de respeito e amor em seu coração. Aqui, cita como exemplo a destituição do poder familiar por denúncias de negligências e maus tratos como sendo o caso abordado. Tal respeito se deve ao fato de que aquela criança só está ali, viva, porque esses pais terem lhe deram o presente mais valioso, a vida. Ao respeitar e entrar em sintonia com os pais do assistido, o ajudante, contraditoriamente, faz com que o assistido encare verdadeiramente seus pais, evitando a fuga e transferência(AZUL, 2019). Do contrário, em casos em que o(a) defensor(a) afirma querer ajudar o assistido, atuando como o herói, e entra na transferência, este na verdade, tem esta relação em razão de seus próprios emaranhamentos com seus pais. Possivelmente, se julga melhor que seus pais e por isso, inconscientemente gosta de dizer para eles o que é certo e o que é errado, da mesma forma que faz com os assistidos. Em "As ordens da Ajuda" Hellinger aponta que " a arrogância da criança, em relação aos pais, continua na arrogância do ajudante perante o cliente" (AZUL, 2019). Por isso a importância de se ajudar sem lastimar, ajudar sem julgar, pois ao sentir pena da triste situação narrada pelo ajudado, de alguma forma o ajudante está dizendo que aquilo que aconteceu foi errado, teria que ter acontecido diferente. O ajudante ao se lastimar, abre portas para a transferência, e logo prejudica a ajuda (AZUL, 2019). Não obstante, também é comum que os defensores façam juízos de valores sobre os casos que lhes chegam, de forma a diferenciar o que é bom do que é mau, ainda que mentalmente, julgam destinos como infelizes e decidem entrar na relação de transferência já mencionada, ocupando o lugar de pais do assistido, e a estes, tendo como o ajudante seu pai ou sua mãe. Ao realizar tal valoração, acabam por prejudicar a ajuda, na medida em que tomando o partido de um lado, excluem alguém do sistema, que é julgado como o responsável pelo fato. Fazendo isso, o ajudante se coloca acima do destino daqueles assistidos, pois o que vê é apenas um pequeno feixe de luz do enorme emaranhamento familiar, mas que julgam como ruim, eportanto decidem mudar, já que supostamente sabem o que é melhor. A ajuda também é prejudicada pois, na medida em que permitem o processo de transferência e projeção com os assistidos, retiram deles sua força de adulto, os tratando como crianças e vítimas do destino. Logo, o defensor, na posição equivocada de pai, fará além de suas atribuições institucionais para ajudar o assistido, e este último, na posição desacerta da de vítima, ao saber de uma sentença desfavorável por exemplo, se julgará mais uma vez vítima da sociedade. O defensor frustrado, pois além de ter tido a demanda julgada improcedente, também não teve o reconhecimento de seu filho, que durante todo o transcurso da demanda, e portanto, se sente no direito de receber de maneira ilimitada. (AZUL, 2019). Além do processo de transferência mencionado, há que se observar no atendimento sistêmico a posição de adulto a ser tomada pelo ajudante e pelo ajudado. Nesse sentido, Bert Hellinger preceitua na terceira ordem da ajuda que o ajudante deve se colocar como um adulto perante um adulto que procura ajuda (HELLINGER, 2015). Preceitua Bert Hellinger em sua obra "O amor do Espírito" que o ajudante deve auxiliar o cliente a alcançar o seu próprio destino a afim de que o mesmo cresça e se desenvolva de acordo com o que lhe é adequado. Ainda citando como exemplo um caso de destituição familiar, é muito comum que as mães ou pais, relatem seus destinos difíceis e se colocam como vítimas de uma série de acontecimentos e de pessoas, a começar de sua mãe e de seu pai (este na maioria das vezes desconhecido). Dessa forma, o(a) defensor(a), muitas vezes se comove com a situação, e passa a enxergar o(a) assistido(a) como uma vít ima. (AZUL, 2019). Assim, neste caso, uma postura sistêmica consistiria em olhar com respeito, carinho, e sem julgamentos para os pais desse assistido e, em seguida, olhar para esse assistido como um adulto que precisa, primeiramente, aceitar esse destino e a sua família, da exata forma como se apresenta, e saber que por mais que sua vida tenha sido difícil até então, ele sobreviveu, se tornando uma pessoa forte e capaz de resolver seus problemas. Nesse momento, a atuação do defensor será a promoção dos direitos que a lei confere, e nada além disso(AZUL, 2019). Não obstante ao olhar para o assistido como um adulto, o(a) Defensor(a) também pode direcionar o(a) assistido(a) para que também tenha esse olhar sobre si mesmo(a). Por exemplo: ao atender uma pessoa que demonstra ter grandes expectativas com o ajudante, seja defensor ou outro, ou mesmo pela própria defensoria, é importante fazer intervenções através de questionamentos a fim de que o(a) assistido(a) reflita como contribuiu para que a situação chegou naquele ponto, e como ele pode fazer diferente. Assim, consequentemente, ele retornará ou chegará ao lugar de adulto (AZUL, 2019). Por fim, cito a postura de não alimentar o conflito. Um exemplo seria mães que reclamam dos pais de seus filhos que nunca pagaram pensão ou que nunca fizeram uma ligação, etc, é importante não assumir uma postura de indignação, fomentando mais críticas, dizendo frases como "tudo sobra pra mulher mesmo". Frases como esta, além de fomentar a posição de vítima, também exclui aqueles que também foram responsáveis pela existência da criança, ou seja, o pai. Nesse ponto, é importante esclarecer que se a mãe continuar a excluir o pai, o filho encontrará uma forma de incluí-lo no sistema familiar inconscientemente, quer se portanto como o pai ou demonstrando uma rebeldia inexplicável, como é rotineiro nos casos atendidos na Defensoria (AZUL, 2019). Dado o exposto, faz-se necessário o esclarecimento de que numa atuação sistêmica pela defensoria, serão tomadas todas as medidas jurídicas cabíveis, entretanto o olhar sistêmico e multidisciplinar para o conflito fará toda a diferença para a vida do(a) assistido(a), e para o colaborador da defensoria, na medida em que empodera o(a) assistido(a) retirando -o do lugar de vítima, levando-o a aceitar psicologicamente e emocionalmente a situação que passou, sendo que tais momentos de dor foram importantes para ele/a e para o sistema familiar de ambos envolvidos. Além disso, o ajudante poderá colaborar por uma justiça mais efetiva, se preocupando verdadeiramente com o(a) assistido(a). 4. A APLICAÇÃO SISTÊMICA DO DIREITO PELA DEFENSORIA PÚBLICA DA COMARCA DE JOINVILLE-SC A Defensoria Pública de Joinville é organizada em 14 regionais, cada uma lotada por um(a) defensor(a). Serão abordadas as experiências voltadas à área criminal de duas regionais representadas pelas defensoras titulares Larissa Leite Gazzaneo, da 5a defensoria pública do núcleo regional de Joinville, e Gabriela Souza Cotrim, da 9ª. O órgão estatal atende tanto vítimas como autores, e se propõe antes de tudo, abster-se de pré julgamentos em que pese os crimes envolvidos, e tomar para si a postura de adulto já mencionada neste artigo. Assim, nem super heróis, nem vingadores, mas defensores públicos encarregados da defesa processual e o atendimento sistêmico (HELLINGERMULT, 2020). Inicialmente, cumpre tecer algumas considerações sobre a violência do ponto de vista sistêmico. Sami Storch ensina que quando há violência envolvida, certamente há uma situação de fragilidade não só da vítima, mas também do autor da violência(STORCH, 2020). Isto porque, uma pessoa em seu próprio domínio e internamente forte, não agride o outro. Explana citando Hellinger, que há dois níveis de sentimentos, o primário e o secundário. O primário refere-se à emoções profundas que geram grande mobilização, como o amor, o luto,a perda. Tais sentimentos, proporcionam o crescimento da pessoa, levando -a a outro patamar. Já o sentimento secundário, seria a incapacidade de encarar o sentimento primário, levando à raiva, medo, ressentimentos. Não há mudança de comportamento, sendo que a pessoa continua a perpetuar padrões, emitindo o mal que o sentimento lhe causa. Assim, aclara que a violência é traduzida como um sentimento primário não trabalhado e não superado, e que os agressores muitas vezes estão sobre o domínio do sentimento secundário. A exemplo de uma situação de violência doméstica, a raiva da ex- companheira é refletida em traumas com a mãe, numa situação de abandono, ou uma dor muito profunda, em que a criança não consegue trabalhar esse sentimento primário e pode vir a se tornar autor de agressão no futuro, pois seu emocional ainda corresponde ao de uma criança no sentimento secundário. Quando é propiciado a este agressor um encontro e uma vivência real com a dor primária, nesse momento, o sentimento secundário se desfaz, pois, por trás da dor há o amor, e esse é o ponto curador. Em continuidade, feito estes apontamentos iniciais sobre a violência na visão sistêmica, Larissa Leite Gazzaneo explica como são realizados seus atendimentos aos menores infratores(HELLINGERMULT, 2020), em especial no que tange a inclusão da família. Ao receber o assistido no primeiro contato, geralmente apenas acompanhado da mãe, realiza uma visualização mental da figura do pai naquele sistema familiar. Em seguida, se apresenta dizendo seu nome e sua função. O menor infrator é posicionado entre a defensora e o familiar presente, ensejando um maior protagonismo e posição de destaque aos familiares e ao assistido. Prossegue dando as orientações jurídicas, mas esclarece que se coloca em último lugar de fala nos atendimentos, reconhecendo saber muito pouco como alguém que acaba de chegar, e que a verdade é muito maior que sua compreensão individual. Esse posicionamento de valorização da família e do sistema familiar como um todo no atendimento, segundo a defensora, contribui para o processo de reeducação do menor. Neste momento, que geralmente antecede a audiência de custódia, é dito para a família e o assistido toda a verdade do processo, sem eufemismos. É preciso que se entenda que, por mais que o destino possa ter sido cruel, apresentando-se em repetição de padrões, lealdades invisíveis, ausência da figura paterna, dentre outras séries de questões que dificultaram a vida do assistido e de sua família, eles possuem sua dignidade, e que a realidade deve ser encarada. A defensora Gabriela Souza Cotrim explica as consequências quando um profissional do direito sai de seu lugar, e ocupa o de outro(HELLINGERMULT, 2020), exemplificando como retomou a força de defensora pública numa determina situação. Ao fim das audiências de custódia, os juízes costumavam determinar que o assistido aguardasse num espaço denominado carceragem, a fim de que lá, recebesse um documento informando se permaneceria solto ou preso. Os assistidos por sua vez, saiam da audiência sem saber um parecer sobre a decisão, e aguardavam neste local. Movida por um sentimento de pena que sentia à época, ao ver os assistidos saindo da audiência sem um norte sobre sua liberdade, mesmo não sendo sua função, se deslocava até a carceragem para informá-los da decisão. Mas percebia um certo desconforto por parte deles quando dizia, ainda que o veredito fosse favorável à soltura, sentia uma certa desordem que não sabia ao certo o porquê. Compreendendo a situação, na próxima audiência que se seguiu, a defensora dirigiu a palavra à juíza de plantão, e solicitou -pela ordem: do lugar e da função, que ela dissesse a decisão na própria audiência, antes que os assistidos descessem para acarceragem. Explicou ainda que, quando ela conta a decisão proferida pela juíza não tem o mesmo efeito, afinal de contas, a decisão não é dela, sendo que seu papel é outro. Sem oferecer nenhum tipo de resistência, a juíza acatou o pedido e ao final da audiência informou o assistido sobre manter sua prisão. E algo diferente aconteceu nesse momento, pois não havia mais revolta pelo assistido ao receber a notícia, pois estava ouvindo da pessoa legitimada para ouvir, da pessoa que havia decidido seu caso. Ato contínuo, encerrada a audiência, logo percebeu que o assistido a abordava de forma diferente, enxergando-a como uma defensora, como alguém que poderia ajudá-lo. Esclarece por fim, como uma simples mudança de postura, influenciou impactou positivamente na sua relação com os assistidos da defensoria. A restauração da harmonia e da força quando voltou ao seu lugar, pode ser explica pela lei da Ordem ou Hierarquia de Bert Hellinger, a qual estabelece sobre a precedência e prevalência nos sistemas. A partir do momento em que se começa a pertencer a um sistema, uma hierarquia passa a existir. Pode-se depreender desta lei que: "do meu lugar eu tenho força", isso significa que, mais importante do que o que se faz é a postura, é como se toma alguma titude (MELLO, 2019).Assim, do meu lugar, encontro força para lidar com tudo o que é difícil e que me pertence. Gabriela explica que na regional onde atua, não há um projeto em específico, mas que além do atendimento sistêmico, também promovem cursos e palestras para os servidores, e que isso influenciou positivamente na política interna da Defensoria e na relação com instituições como o Ministério Público e o Judiciário. Daí infere-se a importância de uma capacitação dos servidores públicos constantes da defensoria pública. Só em 2015, a Defensoria Pública realizou mais de 10 milhões de atendimentos em todo o país, sendo que a área da família foi uma das mais demandadas (ANADEP, 2016). Em um curso de capacitação de servidores da defensoria do Estado do Amazonas (DPE-AM), a psicanalista Cristina Braga dos Santos explica (G1 AMAZONAS, 2019) que“a utilização do método pode contribuir para o trabalho da Defensoria. Primeiro, porque o defensor também se vê, porque todos somos pessoas e quem está ali atendendo também precisa se enxergar. A gente consegue trabalhar com as emoções do outro, quando a gente já trabalhou as nossas. Em segundo lugar, os defensores e servidores irão demonstrar para o assistido onde ele está errando e o que pode fazer para que este conflito seja solucionado". 5. CONCLUSÃO: DO MEU LUGAR - COMO DEFENSORA- TENHO FORÇA A interconexão entre todos é uma realidade fenomelógica natural. A partir do momento em que se pertence a um sistema, a lei da hierarquia passa a viger, exercendo influência sobre todos. Nesse sentido, respeitar o lugar do outro e se posicionar de acordo com seu lugar de Defensor(a), são atitudes que somam para a força e a harmonia do sistema. Nesse raciocínio, a Defensoria Pública é um sistema, ao qual pertencem vários Defensores(as), Servidores(as) e Colaboradores(as) de uma maneira geral, que possuem seus próprios sistemas familiares e vão lidar com assistidos, juízes, promotores, advogados, dentre outros operadores da justiça que também possuem o seu próprio sistema. Cada um precisa ser reconhecido no seu lugar e na sua função para que o sistema cresça e leve para o mais. Um assistido nunca deve ser visto como uma vítima, como alguém que precisa ser vingado, como alguém que por ter tido uma vida muito difícil, merece uma atenção a mais, além da função de prestação de serviços jurídicos gratuitos conforme preconiza a Constituição Federal. Da mesma forma, um(a) Defensor(a) não deve se portar como um herói, como o pai ou como a mãe daquele(a) assistido(a), não deve fazer juízos de valores que prejudiquem a ajuda, como julgamentos morais com base no que lhe é apresentado. Do lugar de assistido, tenho força. Do lugar de Defensor tenho força. Do lugar de juiz tenho força. Do lugar de assistente social, tenho força. E assim por diante. Pois, do meu lugar tenho força para lidar com tudo o que é difícil e que me pertence. Como vimos, a inclusão da família no atendimento pela defensoria aos menores infratores, dando-lhes o protagonismo do problema em questão, lhes conferem a dignidad e de arcarem com suas escolhas, com seu próprio sistema. Assim, sem eufemismos, e sem juízos de valores, apenas a verdade dos fatos, com muito respeito e dignidade, cada um no seu papel. O resultado da aplicação do Direito Sistêmico em ambas as Defensorias Públicas apresentadas, em termos qualitativos, foi percebido no impacto positivo na resolução de conflitos extrajudiciais, e na qualidade dos atendimentos aos assistidos, na medida em que, além da resolução jurídica do problema apresentado, o Defensor(a), a partir de pequenas reflexões e posturas, convida o ajudado a ampliar a visão da contenda que o levou à instituição, propondo para o mesmo um olhar de que, apesar dele ter direitos e deveres, assim como aquele com quem ele litiga, todos possuímos emaranhamentos, oriundos do nosso sistema familiar, que, inconscientemente, nos faz ter padrões comportamentais, muitas vezes repetidos por gerações, e que aquele problema pode ser um convite para olhar para isso. Assim, concluindo, a aplicação do Direito Sistêmico e das práticas sistêmicas não é um trabalho fácil, que se aprende numa cartilha ou em poucashoras de um curso. É um desenvolvimento contínuo, de muita prática. É uma postura, um olhar para o conflito que pode ser compartilhado pelos profissionais do Direito - pelos Defensores Públicos-, como toda pessoa envolvida em gestão de conflitos e pessoas (STORCH, 2020). 6. REFERÊNCIAS ANADEP.Constelações Familiares e um olhar sistêmico sobre o direito’ são abordados durante ciclo de palestra. 2016. Disponível em https://www.anadep.org.br/wtk/pagina/materia?id=29462. Acesso em: 04 de agosto de 2020. AZUL, Jamile Gonçalves Serra. O Direito Sistêmico como uma nova abordagem de solução extrajudicial de conflitos no âmbito da defensoria pública. Defensoria Pública Geral do Estado de Mato Grosso do Sul, 2019. Defensoria alia estudo de constelação familiar em capacitação de servidores para atuações mais humanizadas. G1 Amazonas, 2019. Disponível em: https://g1.globo.com/am/amazonas/noticia/2019/12/24/defensoria-alia-estudo-de-constelacao- familiar-em-capacitacao-de-servidores-para-atuacoes-mais-humanizadas.html. Acesso em 04 de agosto de 2020. 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